O QUE
ACONTECEU A BABE JANE? (What Ever
Happened to Babe Jane?, 1962, 134 min)
Direção: Robert Aldrich
Roteiro: Lukas Heller,
baseado na obra homônima de Henry Farrell
Indicações: 1. Melhor Atriz |
2. Melhor Ator Coadjuvante | 3. Melhor Fotografia PB | 4. Melhor Figurino PB |
5. Melhor Som
Nominadas
em 1963:
Anne Bancroft: O Milagre de Anne Sullivan || Bette Davis: O Que
Aconteceu a Babe Jane? || Geraldine Page: O Doce Pássaro da Juventude ||
Katharine Hepburn: Longa Jornada Noite Adentro || Lee Remick: Vício Maldito
Adaptado do romance do escritor Henry Farrell (1920-1986), então mais
conhecido por assinar textos de conteúdo macabro, “O que Aconteceu a Baby Jane?”
(1962), além de trazer o suprassumo de um escritor até o momento
subestimado, também é o momento em que duas das maiores atrizes
norte-americanas da Hollywood clássica, Bette
Davis (1908-1989) e Joan
Crawford (1906-1977), se encontraram em cena. No entanto, se nos “anos
de ouro” as interpretes ficaram conhecidas pela beleza, elegância e talento, o
filme dirigido pelo diretor Robert
Aldrich (1918-1983), produzido em 1962, passava longe de aproveitar a
formosura jovial de outrora, até porque ambas estavam bem perto de completar
sessenta anos. Aqui, o foco principal era colocá-las se antagonizando em um
duelo de talento e mise en scène. A conhecida antipatia que uma nutria
pela outra, e vice-versa, talvez possa ter sido fator motivacional decisivo
para cada uma dar o melhor de si, e como resultado final, o grande beneficiado
foi o público, prestigiado com interpretações magistrais.
Antes de chegarmos ao mote principal de “O que Aconteceu a Baby Jane?”, a
narrativa dedica seus minutos iniciais para demonstrar fatores traumatizantes na
vida das duas protagonistas. Primeiro, em 1917, Jane Hudson (aqui, Julie Allred), ainda bem nova, era
uma sensação nacional conhecida como Baby Jane. Ao lado do pai encantava plateias
com sua ternura infantil, mas desde aquele tempo demonstrava uma fúria e
descontrole interior irremediável. Nesse momento inicial, Baby Jane tem todas
as atenções, enquanto sua irmã, Blanche Hudson (aqui, Gina Gillespie) se mantém em segundo plano, revelando até uma
ponta de inveja. Em seguida, a trama avança até 1935, onde então temos Blanche
como uma segura estrela de cinema enquanto Jane, desprestigiada, vive à sombra
da irmã, dependendo de sua influência para trabalhar em filmes de qualidade
duvidosa. Interessante, como em pouco tempo de exibição, a narrativa de 1935
consegue pontuar com sagacidade os entremeios dos bastidores do cinema da
época, onde produtores e donos de estúdio ditavam o ritmo.
Percebendo-se que Jane não é mais uma
artista reverenciada, sem cerimônia, a trama trata de criar a problemática
central de “O que Aconteceu a Baby
Jane?”: ainda em 1935, um misterioso acidente deixa a então estrela
Blanche paraplégica. Assim, depois de quase vinte minutos, os créditos iniciais
aparecem e o título sobe junto a uma marcante trilha sonora de film-noir,
elucidando que boa coisa não vem pela frente. Saltando novamente no tempo,
dessa vez algumas décadas, a narrativa nos coloca dentro da casa das irmãs
Hudson, onde na meia-idade vivem no ostracismo, com Jane (agora, Bette Davis) cuidando de maneira
relapsa de uma Blanche (agora, Joan
Crawford) debilitada pela deficiência física. Logo também percebemos que
se Blanche mantêm suas faculdades mentais saudáveis, contrastando com seu corpo
deficiente, o mesmo não pode ser dito de Jane. Alcoólatra, a ex-pequena notável
mostra-se cada vez mais violenta e invejosa quanto ao status de celebridade
que, mesmo enclausurada, a irmã ainda detém, principalmente pelas constantes
reprises na televisão dos filmes antigos protagonizados por Blanche.
A trama deixa claro que Jane tem a intenção
de fazer de Blanche um joguete de sofrimento, muito pela condição, que ela acha
injusta, de cuidar incondicionalmente da irmã e ainda de carregar o estigma de
culpada pelo acidente trágico. Contudo, Jane não é dimensionada simplesmente
como uma vilã unidimensional. O roteiro tem cuidado em trazer nuances ao
caráter dela, mostrando como a dificuldade de lidar com o esquecimento e a
velhice, aliado também a um egoísmo nato e o vicio alcoólico, podem ser um
tanto enlouquecedores. Entre as práticas reprováveis e infantis de Jane,
afinal, apesar de ter um corpo maduro, sua alma parece viver no passado, sendo
a mesma criança birrenta e mimada pelo pai, existe também um improvável sonho
de voltar a ser uma estrela. Para isso, Jane se envolve com um músico meio
picareta interpretado pelo ator Victor
Buono (indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1963). A parceria
rende alguns dos momentos mais melancólicos e de estranha beleza do filme, como
quando ensaiam a canção principal de Baby Jane: I´ve writen a letter to
Daddy, interpretada de forma genialmente bizarra por Bette Davis.
Entre tantas qualidades evidentes de “O que Aconteceu a Baby Jane?”, como
fotografia em preto e branco primorosa e figurino, vencedor do Oscar,
perfeitamente condizente com o clima distópico da obra, é importante ressaltar,
que talvez nunca um filme com uma pegada deveras teatral foi tão bem
desenvolvido. O excesso de diálogos nunca incomoda, alias, é um deleite
apreciar duelos verbais advindos de interpretações tão imersivas. A atriz Joan Crawford mantém sua famosa
elegância, mas longe de ser uma mocinha clássica, carrega no olhar todo o
desespero de uma pessoa presa a uma cadeira de rodas que é infringida por uma
debilitada mental. Á medida que Bette
Davis, com seu apreço por personagens em que possa se transformar
fisicamente, entrega uma interpretação monstruosa. A atriz some dentro de Jane
Hudson, trazendo o personagem a vida com uma força fulminante. A magnitude é
tão intensa, que quando Jane se assusta com seu reflexo no espelho, capaz do
espectador se assustar também.
O Oscar de 1963 foi à última vez que Bette Davis foi nomeada ao prêmio, a
atriz já havia sido indicado dez vezes anteriormente, tendo conquistado a
estatueta por duas vezes (1936 e 1939). Contudo, se não saiu vencedora, afinal
era um ano bem concorrido com Anne
Bancroft (vencedora) e o excelente “O Milagre de Anne Sullivan” (1962) e Katharine Hepburn com “Longa
Jornada Noite Adentro” (1962), deve ter sido mágico ver essa brilhante
atriz em plena forma em uma obra onde o viés, de fato, é a atuação. O diretor Robert Aldrich também merece todos os
louros por conduzir de forma minuciosa “O que Aconteceu a Baby Jane?”, desfiando com
tensão crescente, melancolia nostálgica e até uma espécie de redenção
transviada, o impressionante jogo psicológico proposto pelo roteiro de Lukas Heller. A sensação é que
estamos diante de uma realização onde diversos fatores conjuraram para a
excelência, desde os já citados aspectos técnicos, passando por uma direção
competente, ciente do que é necessário para a obra funcionar e culminando em
atuações inesquecíveis. Resultado, sem exageros: obra-prima!
por
Celo Silva
Um comentário:
Ainda não assisti ao clássico que é "O Que aconteceu a Baby Jane?". Preciso conferir essa falha cinéfila urgentemente. O Celo está de parabéns pelo excelente texto sobre o filme.
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