TOUTE UNE VIE (1974, 150 min)
Produção: França
Direção: Claude Lelouch
Roteiro: Claude
Lelouch e Pierre Uytterhoeven
Elenco: Marthe
Keller, André Dussolier, Charles Denner, Carla Gravina, Charles Gérard.
A categoria de melhor roteiro adaptado da 48ª Edição do
Oscar, assim como quase toda a cerimônia de entrega de estatuetas daquele ano,
contava com nomes de peso. Concorrendo em uma das mais respeitadas, a já citada
de roteiro adaptado, que implica nada menos que originalidade em seu texto,
além do vencedor da noite, Frank Pierson por Um Dia de Cão, as obras que
realmente estavam na disputa eram as de Federico Fellini e Tonino Guerra, pelo
genial Amarcord, e os franceses Claude Lelouch e Pierre Uytterhoeven pelo não
menos maravilhoso Toute Une Vie, filme aqui em questão. A produção newhollywoodiana
Shampoo, assinada por Robert Towne e Warren Beatty, não teve o impacto que seu
produtor Beatty acreditou que teria e acabou fazendo apenas figuração de luxo
entre os indicados.
Toute Une Vie é uma realização que talvez tivesse mais
reconhecimento pelos cinéfilos se tivesse sido o ganhador do Oscar. Hoje
injustamente pouco comentado, o filme de Claude Lelouch é uma bela homenagem ao
cinema. A trama parte desde o advento da primeira câmera cinematográfica,
chamada apenas de cinematografo, e como um grande épico, se estende por todo o
século XX, ora pontuando com as passagens de seus principais protagonistas, muitas
em momentos históricos, ora sugerindo situações com as seqüências do filme
sendo realizado dentro do filme. O diretor transita pelos gêneros com leveza,
naturalidade, trazendo nuances do cinema mudo, no prólogo de força imagética
impressionante, passando pelo drama de guerra, melodrama, filmes policiais,
romance e finalizando com um tom de ficção cientifica e divagando livremente
como seria o futuro nas décadas derradeiras do século. A obra também não deixa
de laurear a Nouvelle Vague, evidenciada na cena em que o personagem de André
Dussolier, um cineasta em ascensão, estuda a sétima arte através dos artigos da
revista francesa Cahiers Du Cinema, conhecido foco desse importante movimento.
Entoando diálogos reflexivos, escritos com delicadeza e
propriedade, mas também nunca deixando de serem contundentes, os protagonistas
pontuam a narrativa com digressões de temáticas caras ao ser humano, como amor,
vida, morte, importância dos bens materiais e dos filhos. A bela e talentosa
atriz suíça Marthe Keller, o francês André Dussolier, então novato no cinema, e
o também francês Charles Denner - que trabalhou em filmes importantes como
Ascensor para o Cadafalso (1958) e A Noiva estava de Preto (1968), entregam um
trabalho notável, emocionante e cativante. Tanto Marthe Keller quanto Charles
Denner interpretam múltiplos personagens dentro de sua família, já que são
filha e pai na obra, e ainda assim, com trabalho dobrado, triplicado, entregam
para cada um deles personalidades próprias. André Dussolier, como um cineasta
de origem marginal em ascensão, é o entusiasta do cinema artístico, que não se
rende tão facilmente ao comercial e também pode ser visto como um libelo em
prol de realizações que estimulem o intelecto do espectador. Um simbolismo
bem-vindo para a obra.
Além do já citado fabuloso e minucioso roteiro original,
Toute Une Vie ainda é uma aula de uso da câmera. Com viradas ousadas,
enquadramentos excitantes, o diretor cria momentos de puro êxtase, como no
plano-sequência em que acompanhamos um esquiador descer uma montanha de forma
vertiginosa, a sensação de tensão dele, também é nossa. Alias, o filme
apresenta um conjunto de planos-sequência invejáveis e de encher os olhos.
Claude Lelouch não se furta a nos brindar, várias vezes, com esse que é um dos
tecnicismos que mais agradam e empolgam os cinéfilos. Somente não bastassem os
deliciosos passeios que a câmera do diretor nos propõe, ainda temos uma
montagem fascinante, trazendo dinamismo e fluidez impressionante, fazendo as
quase duas horas e meia do filme passar sem serem sentidas. Na verdade, é
importante destacar que todas as características de Toute Une Vie (na tradução
literal, toda uma vida) são elaboradas com muito esmero, um presente de toda
uma vida de um realizador amante da sétima arte para todos os amantes e
admiradores da mesma. Toute Une Vie é um atestado de como o cinema é de fato a
arte definitiva. Obra-prima.
por Celo Silva
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