Uma mulher procurando um meio de sustentar os filhos
esbarra num caso de envenenamento por cromo-6 e, enfrentando uma das maiores
empresas dos Estados Unidos, ganha uma ação judicial no valor de U$333 milhões,
o maior valor já pago como indenização. A segunda mulher é uma afro-americana
que viu seu marido ser eletrocutado, seu filho obeso ser atropelado e morto e
encontrou por acaso afeto nos braços surpresos do homem que executou seu
marido. A terceira é conhecidíssima: grande escritora modernista cujo equilíbrio
mental nunca se fez constante – o resultado foi seu suicídio em 1941. A quarta
- tão real quanto a anterior – recebeu o célebre, porém negativo, título de “a
primeira serial killer dos Estados
Unidos”. A próxima da lista só queria arrumar um bom treinador que a tornasse
uma boa lutadora e, ao conseguir isso, não apenas se tornou uma boxista notória
como encontrou as ligações afetivas que sua família jamais lhe pôde oferecer. O
sexto exemplo, também muito conhecida, é uma cantora country que se envolveu com outro cantor, resultando num dos casais
mais icônicos da música norte-americana. A sétima mulher é uma rainha inglesa
lidando com um episódio traumático do seu reinado. A oitava é um ídolo da
música francesa. A nona decidiu que o cárcere seria menos embaraçoso do que
assumir ser analfabeta e, por fim, a décima é uma americana cristã que,
adotando um rapaz sem lar, eventualmente o tornou um grande astro do futebol
americano. Essas mulheres são Erin Brockovich, Leticia Musgrove, Virginia
Woolf, Aileen Wuornos, Margaret Fitzgerald, June Carter, Elizabeth II, Edith
Piaf, Hannah Schmidt e Leigh Anne Tuohy, respectivamente.
A lista acima resume as dez personagens que renderam as
estatuetas do Oscar às atrizes que foram premiadas em cada ano da primeira década
do novo milênio e são, potencialmente, as atuações mais reconhecidas dessas
atrizes. Só para conhecê-las, seguem os nomes na ordem de vitória e na ordem
correspondente ao resumo de suas personagens: Julia Roberts, Halle Berry,
Nicole Kidman, Charlize Theron, Hilary Swank, Reese Witherspoon, Helen Mirren,
Marion Cotillard, Kate Winslet e Sandra Bullock. Quanto à categoria feminina de
interpretação principal, isto é, a categoria de nome recente Best Performance by an Actress in a Leading
Role, podemos afirmar duas coisas: 1) que a década de 2000 se marcou pelas personagens verídicas: das dez
premiações, sete foram direcionadas a atrizes que viveram pessoas históricas –
apenas em 2002, 2005 e 2009 que as personagens eram fictícias; 2) que a década passada foi marcada pela vitória
de jovens atrizes que, salvo em 2005, jamais haviam sido premiadas
anteriormente, independentemente de terem sido ou não indicadas. Vale ainda
comentar foi uma década proeminente para as first-timers – as atrizes que jamais foram indicadas somam
cinco, enquanto as outras cinco atrizes premiadas já haviam recebido nominações
pelo menos uma vez ou, até, já tinham inclusive vencido o prêmio, como é o caso
de Hilary Swank. Das atrizes estreantes que receberam o Oscar na sua primeira indicação,
apenas uma – Theron – foi nominada outra vez e, acredito, nenhuma das
vencedoras, mesmo as menos famosas do grande público, eram nomes
verdadeiramente desconhecidos do grande público. Vamos, então, conhecer um
pouco da trajetória de cada uma dessas atrizes.
Julia Roberts venceu em 2001 e já
contava com duas indicações anteriores, sendo que a sua segunda indicação,
considerada o seu grande breakthrough
no cinema, é justamente por uma de suas personagens mais queridas: Vivian, de
“Uma Linda Mulher” (1990)l. Indicada em 1990 por “Flores de Aço” (1989) e em 1991
pelo seu trabalho no filme em parceria com Richard Gere, Julia Roberts veio
amadurecendo seu trabalho até ser reconhecida em 2001 como a atriz mais bem
paga do cinema: dos U$55 mi gastos na produção de “Erin Brockovich – Uma Mulher
de Talento” (2000), U$20 mi foram para o bolso de Roberts, que acabou também
levando o Oscar, não sem levantar polêmica quanto ao seu merecimento, já que
cinéfilos se dividem entre sua interpretação e aquela concebida por Ellen
Burstyn em “Réquiem para um Sonho” (2000). O ano seguinte, 2002, foi
marcado pela vitória de Halle Berry,
em sua primeira indicação, pela obra “A Última Ceia” (2001), e seu prêmio,
independentemente da qualidade do filme ou da interpretação da atriz,
eternizou-a: fez dela a primeira atriz negra a ser premiada na categoria
principal de atuação feminina. Seu discurso de agradecimento é decerto um dos
mais emocionados e sinceros, prestando uma homenagem singela não apenas às
atrizes negras que a precederam na história do Oscar, mas também àquelas cujas
vidas estão ligadas à história do cinema. Se, em 2002, Nicole Kidman foi nominada por “Moulin Rouge – Amor em Vermelho”
(2001) e assistiu a Halle Berry subir vitoriosa no palco, em 2003 foi a
sua vez de ser aplaudida. Kidman foi premiada por sua interpretação como
Virginia Woolf no filme “As Horas”, de Stephen Daldry; trata-se, aliás, de um
marco nessa década: é a atriz que esteve menos tempo em cena – ela aparece
apenas 28 minutos. Dessa lista de vencedoras, ela é a única atriz australiana
já premiada e também a única que conseguiu nessa década ser nominada em dois
anos consecutivos – e, só para constar, seria ainda nominada em 2011.
A estonteante sul-africana Charlize Theron se submeteu a uma maquiagem pesada que,
diferentemente do nariz protético de Nicole Kidman em “As Horas”, realmente
transformou-a numa figura bastante diferente. Aileen Wuornos, sua personagem em
“Monster – Desejo Assassino” (2003), era uma mulher sem charme e sem modos
pomposos, o que a tornava quase vulgar num desleixo despercebido. Theron, à
época, tinha alguns filmes conhecidos, como “Advogado do Diabo” (1997) e “Jogo
Duro” (2001), mas não era a grande estrela que se tornou depois de sua vitória,
acontecida em 2004. Foi ainda nominada em 2006 nessa mesma categoria
pelo filme “Terra Fria” (2005). A primeira metade da década se encerrou com a
vitória de uma atriz que já havia previamente recebido um Oscar: Hilary Swank. Ela, aliás, jamais soube
como é ser indicada sem vencer, uma vez que arrebatou os votantes tanto em
2000, quando competiu por “Meninos Não Choram” (1999), quanto em 2005,
tendo competido por “Menina de Ouro” (2004). “A atriz dos papéis masculinizados”,
como é conhecida, em referência às suas personagens mais famosas, Brandon Teena
(um transgênero) e Margaret Fitzgerald (uma boxista), curiosamente venceu duas
vezes Annette Bening, que competiu nos mesmos anos que Swank por “Beleza
Americana” (1999) e “Adorável Júlia” (2004).
Depois de Roberts, Kidman e Theron, premiadas pelos
retratos de personagens verídicas, foi a vez de Reese Witherspoon em 2006 conquistar seu espaço no Oscar e
vencer como June Carter, esposa de Johnny Cash, no filme “Johnny e June”
(2005). A loira era já conhecida do grande público, sobretudo por causa das comédias
românticas de grande apelo cômico que vinham já há bastante tempo entretendo o
espectador pouco exigente. Depois de Witherspoon, seguindo a linha das pessoas
reais, venceu Helen Mirren, que
interpretou ninguém menos que a Rainha Elizabeth II, que, segundo ela mesma,
não assistiu ao filme – não, porém, por temer ver o trabalho de Mirren,
premiada em 2007, mas por ser o episódio representado no filme um dos
mais difíceis de sua vida. Mirren pode não ser uma atriz extremamente popular,
mas já havia sido indicada duas vezes como coadjuvante – em 1995 e em 2002,
respectivamente por “As Loucuras do Rei George” (1994) e “Assassinato em
Gosford Park” (2001) – e seria ainda indicada mais uma como protagonista – em
2010, por “A Última Estação” (2009), ano em que Bullock venceu. Seu trajeto até
o Oscar parecia garantido – só em Cannes a atriz foi ovacionada por cinco
minutos, tendo os membros do júri ficado estarrecidos com seu desempenho. Em 2008,
mais uma vez uma figura histórica: Edith Piaf, que foi personificada por Marion Cotillard em “Piaf – Um Hino ao
Amor” (2007). A atriz francesa tornou-se a terceira intérprete premiada por uma
atuação primordialmente em língua estrangeira ao inglês num filme cujo país
produtor não é anglófono – o que, devemos observar, é um grande feito. Apesar
de ter participado de filmes mais populares, como é o caso de “Peixe Grande e
Suas Histórias Maravilhosas” (2003), Cotillard só se popularizou mesmo depois
de sua premiação, quando os cinéfilos em sua maior parte voltaram seus olhos
para o trabalho da atriz.
Por fim, chegamos às duas últimas atrizes que venceram na
década de 2000: Kate Winslet, em 2009,
e Sandra Bullock, em 2010. A
atriz inglesa estava já há muitos anos vendo o prêmio ir parar nas mãos de
outra atriz – concorrera em 1996, 1998, 2002, 2005 e 2007, respectivamente por
“Razão e Sensibilidade” (1995), “Titanic” (1997), “Íris” (2001), “Brilho Eterno
de uma Mente sem Lembranças” (2004) e “Pecados Íntimos” (2006). Em 2009, enfim,
apesar da natureza coadjuvante de sua personagem, foi indicada como Melhor
Atriz e venceu a estatueta. Em seu discurso de agradecimento, atrapalhada e
estupefata, revelou que sempre sonhou com aquilo e que, durante os banhos,
fingia que o pote de xampu era o prêmio; naquele momento, porém, já não era
mais uma brincadeira e o que estava na sua mão não era mais um pote de xampu –
era finalmente o prêmio. Já Sandra
Bullock, penso, seja a mais polêmica: sua vitória implicou uma série de
desaprovações e críticas, não apenas pela composição simples da atriz, como
também pelas atrizes que foram derrotadas por ela, como é o caso de Meryl
Streep, competindo por “Julie & Julia” (2009) e Helen Mirren, pelo filme já
citado. Contextualmente e em analogia, Bullock estava num momento parecido com
o de Julia Roberts à época de sua vitória – ambas as atrizes vinham fomentando indubitável
e consideravelmente a indústria cinematográfica e seus nomes significavam não
apenas boa bilheteria como boas avaliações pelos críticos de cinema. Os
cinéfilos, porém, não concordam e, passados dois anos, a vitória de Bullock é
bastante repreendida.
Ao longo dessa década, como se notou pelo texto acima,
nenhuma atriz venceu mais de uma vez, diferentemente do que aconteceu, por
exemplo, na categoria masculina equivalente, na qual Sean Penn venceu em 2004 e
em 2009. No entanto, curiosamente, o mesmo diretor conduziu duas atrizes a seus
prêmios: tanto Nicole Kidman quanto Kate Winslet participaram de filmes de
Stephen Daldry, que, aliás, jamais dirigiu um filme sem que houvesse pelo menos
um intérprete nominado em categoria de atuação. E também, como se pressupõe, a
vitória de atrizes americanas é predominante nessa década, correspondendo a 50%
dos casos – Kidman, Theron, Mirren, Cotillard e Winslet são as estrangeiras,
sendo, respectivamente, australiana, sul-africana, inglesa, francesa e, de
novo, inglesa. A idade média de vitória é 36
anos, sendo Charlize Theron, com 28 anos, a atriz mais jovem premiada nessa
década e Helen Mirren, aos 61 anos, a mais velha. Talvez a vitória mais
oportuna tenha sido a Reese Witherspoon, que venceu o prêmio duas semanas antes
de celebrar seus 30 anos de idade.
Sem mais delongas, vamos ao que interessa: ao longo do mês
de novembro a equipe do E o Oscar foi
para... apresentará cada uma dessas atrizes e discutirá seus trabalhos,
realizando no final do mês, como de costume, um parecer geral sobre a
relevância dessa categoria para a história do Oscar e do cinema numa abordagem
sincrônica e possivelmente comparativa.
por Luís Adriano de
Lima
3 comentários:
Gostei muito de Mirren, Winslet e Cotillard em seus papéis vencedores. Abraços!
Nicole Kidman é minha preferida em vários quesitos,não aprecio o trabalho de Halle Berry,acho que ela precisa crescer muito em atuação.
E não nego que gosto e me emociono com Cotillard,ela sabe fazer cinema e deu um banho ao fazer Piaf.
Abraço!
Bruno
Nicole merece um o'concur só pelo The Hours
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