quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O Dia do Gafanhoto



O DIA DO GAFANHOTO (The Day of Locust, 1975, 144 min)
Produção: Estados Unidos
Direção: John Schlesinger
Roteiro: Waldo Salt
Elenco: Donald Sutherland, Karen Black, Burgess Meredith, Geraldine Page, William Atherton, Richard Dysart, Bo Hopkins, Pepe Serna, Billy Barty, Jackie Earle Haley.

Nos Estados Unidos, a gíria locust serve para designar pessoas que estão à margem: perdedores, solitários, estranhos e deslocados. O termo the day of the locust (“o dia do gafanhoto” em tradução literal) se refere ao dia em que um destes perdedores decide reivindicar de forma violenta o seu lugar na sociedade. A mais memorável representação de tal situação no cinema talvez esteja em “Taxi Driver” (1976) de Martin Scorsese, o personagem central do longa, Travis Bickle, é um típico “gafanhoto”, cuja vida monótona e opressiva o leva a tentar intervir de uma forma extrema em sua própria realidade. Recentemente outro filme explorou a mesma temática, foi “Drive” (2011), de Nicolas Winding Refn, cujo protagonista comete atos extremos após chegar a seu limite. “O Dia do Gafanhoto” (1975), de John Schlesinger, foi um das primeiras produções a direcionar seu foco narrativo para este tipo de personagem e a abordagem dada por ele à temática é no mínimo interessante.

Baseado na obra literária de Nathanael West, o filme adota como “gafanhotos” as pessoas comuns, estabelecendo um contraponto entre estas e as celebridades de Hollywood da década de 30. No centro da trama está o designer de cenários Tod Hacket (William Atherton), que chegou à cidade sede da indústria cinematográfica para trabalhar em um grande estúdio, ele acaba se apaixonando por sua vizinha, a bela Faye (Karen Black), uma aspirante a atriz que está em busca de um marido rico que possa lhe abrir portas na indústria do entretenimento. Faye rejeita Tod por ele não ser rico, mas ele não desiste e se mantém próximo a ela, desenvolvendo assim uma relação que vai além de uma simples amizade. Em dado momento da trama, Faye se encontra com Homer Simpson (Donald Sutherland), um contador tímido e solitário, que também se apaixona por ela.

Dentre todos os personagens, Homer Simpson é o mais interessante, ele é claramente o mais deslocado e solitário, ele não tem um grande sonho, nem grandes aspirações e acredita na providência divina como saída para seus dilemas, resumindo, ele é um típico locust e não é por acaso que ele é um personagem fundamental no último ato do filme, ele tem um papel importante no desfecho, que é digno da expressão que dá nome à obra... O roteiro avança em uma lentidão quase melancólica, que permite que cada personagem seja bem explorado em sua complexidade. As motivações que guiam cada um deles vão ficando aos poucos aparentes e à medida que a trama é desenrolada percebemos que ela caminha para um desfecho trágico, esta sensação é reforçada pela melancolia da trilha sonora e pela fotografia, que evita cores vivas e alegres.

O contraponto criado entre as pessoas tidas como comuns e as celebridades funciona ainda como uma crítica à indústria cinematográfica e à “Meca dos sonhos perdidos”, em uma das passagens um dos personagens, um produtor, chega à conclusão: “Acho que nós vendemos apenas ilusões ao público”. Público este que tenta se amparar em qualquer ilusão que lhe for dada, na esperança de achar algum sentido para suas vidas monótonas... Esta crítica fica ainda mais latente no último ato do filme, que obviamente não pretendo comentar aqui para não publicar spoilers. A Hollywood retratada pelo filme é diferente daquela que temos em nosso imaginário: se esta está associada ao glamour e à felicidade, a que o longa nos mostra denota o oposto, o que vemos nele são histórias de sonhos desfeitos, personagens vivendo num submundo de bordéis e rinhas de galo e por fim o distanciamento, em todos os sentidos, entre o público e as grandes estrelas da época.

“O Dia do Gafanhoto” foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante (Burgess Meredith – que interpreta o pai da personagem Faye) e Melhor Fotografia. Ambas as indicações foram merecidas, Meredith está excelente em seu personagem e a fotografia do filme é muito bonita, sendo também um dos elementos mais importantes da narrativa, por ajudar a construir no filme a atmosfera opressiva que ela sustenta até o seu desfecho. Este filme parece ter sido esquecido pelo grande público e até mesmo pelos cinéfilos, o que é sem dúvidas uma grande injustiça, pois se trata de uma obra contundente, sobre uma temática que não nos é de todo estranha. Recomendo!

INDICAÇÕES:
1. Melhor Ator Coadjuvante: Burgess Meredith
2. Melhor Fotografia: Conrad L. Hall

por José Bruno

4 comentários:

Hugo disse...

É um filme que mostra uma Hollywood longe do glamour.

A narrativa lenta e os personagens estranhos, principalmente o de Donald Sutherland, ajudam a tornar o filme uma obra diferente, do estilo que não agrada ao grande público e provavelmente por isso o longa esteja esquecido.

Mesmo sendo um bom filme, Schlesinger tem trabalhos melhores como "Perdidos na Noite" e "Maratona da Morte".

Abraço

Alan Raspante disse...

Comecei a ver o filme, mas não terminei, é bem interessante mesmo. Vou "rever" a obra, rs

Ivanildo Pereira disse...

Preciso rever, assisti apenas uma vez e já faz tempo. Mas me lembro de não ter ficado com uma boa impressão.

De qualquer forma, belo texto.

Unknown disse...

Muito bom, bem melhor do que eu me lembrava quando o vi pela primeira vez em seu lançamento. Muitas cenas e ótimas atuações surpreendem, principalmente Karen Black, Burgess Meredith e Donald Sutherland. Ótima abordagem dos anos 30 em Hollywood, com o contraste da depressão na economia, versus glamour em Hollywood aqui de uma maneira mais pesada e trágica, do que no filme de Woody Allen, “A Rosa Púrpura do Cairo”. Mas aqui a figura do moleque andrógino, malvado e insuportável, mais as máscaras brancas de horror coletivo, talvez permaneçam mais tempo em nossa memória.