quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Kevin Spacey: "Beleza Americana" (1999)



KEVIN SPACEY (26/07/1956 – Nova Jérsei, Estados Unidos)
Primeiro filme: “A Difícil Arte de Amar” (1986)
Principais trabalhos: “Os Suspeitos” (1995), “Los Angeles – Cidade Proibida” (1997), “Beleza Americana” (1999), “A Corrente do Bem” (2000), “A Vida de David Gale” (2003), “Quebrando a Banca” (2008), “Margin Call – O Dia antes do Fim” (2011).
Indicações ao Oscar: 1996 – Melhor Ator Coadjuvante: “Os Suspeitos” – venceu | 2000 – Melhor Ator: “Beleza Americana” – venceu.
Indicados em 2000: Denzel Washington por “Hurricane – O Furacão” (1999) | Kevin Spacey por “Beleza Americana (1999) | Richard Farnsworth por “Uma História Real” (1999) | Russel Crowe por “O Informante” (1999) | Sean Penn por “Poucas e Boas” (1999).

“Beleza Americana” (1999) é sobre o vazio da vida suburbana e pessoas desesperadamente tentando mudar de vida. No filme, Kevin Spacey interpreta Lester Burnham, sujeito quarentão que detesta seu trabalho, viu sua esposa Caroline (Annette Bening) se tornar uma estranha, e mal fala com a filha Jane (Thora Birch). As coisas mudam para ele quando conhece uma jovem amiga da sua filha, vivida por Mena Suvari. O tesão por uma menina adolescente devolve a coragem a Lester, que abandona o emprego e começa a malhar para ficar em forma. Quando a família do coronel Fitts (Chris Cooper) se muda para a casa ao lado, e o estranho filho deste, Ricky (Wes Bentley), se envolve com Jane, o palco está armado para uma tragédia, pois todos os personagens possuem segredos e loucuras escondidas por trás da fachada de perfeição.

Essa mistura de comédia e drama foi dirigida pelo veterano do teatro Sam Mendes (vencedor do Oscar de Diretor pelo filme, sua estreia no cinema). Como tal, é um prato cheio para os atores. O roteiro de Alan Ball alterna momentos de grande humor com outros de um tocante drama, e o resultado é um dos melhores filmes da já excelente safra daquele ano de 1999.

O elenco inteiro é bom, mas é Kevin Spacey que conduz o filme. Embora houvesse outros grandes trabalhos na categoria naquele ano – notadamente os de Denzel Washington em “Hurricane: O Furacão” (1999) e o de Russell Crowe em “O Informante” (1999) – o Oscar de Spacey foi completamente merecido, e foi também o segundo de sua carreira: o primeiro foi o de coadjuvante por “Os Suspeitos” (1995). Espécie de Homer Simpson de carne e osso (mas um pouco mais inteligente), o ator começa o filme pequeno nos enquadramentos de Sam Mendes, mas aos poucos cresce diante de nós. Spacey, no papel, consegue ser bonito, feio, inteligente, burro, engraçado, patético, nojento e acima de tudo, humano. A luta do Lester Burnham é a luta de todos nós que um dia já se sentiram sufocados pela vida e tentaram fazer alguma coisa a respeito. O desempenho do ator comove e nos faz torcer por um sujeito que, embora só quisesse transar, na verdade procurava algo a mais na sua existência.

por Ivanildo Pereira

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Roberto Benigni: "A Vida É Bela" (1997)



ROBERTO BENIGNI (27/10/1952 – Toscana, Itália)
Primeiro filme: Berlinguer ti voglio bene (1977)
Principais trabalhos: “A Vida É Bela” (1997), “Para Roma, Com Amor” (2012), “Sobre Café e Cigarros” (2003), “Uma Noite sobre a Terra” (1991).
Indicações ao Oscar: 1999 – Melhor Ator: “A Vida É Bela” (1997) – venceu
Indicados em 1999: Edward Norton por “A Outra História Americana” (1998) | Ian McKellen por “Deuses e Monstros” (1998) | Nick Nolte por “Temporada de Caça” (1998) | Roberto Benigni por “A Vida É Bela” (1997) | Tom Hanks por “O Resgate do Soldado Ryan” (1998).

Brasileiro que se preze externaliza um certo rancor quando ouve falar em A Vida É Bela” (1997), filme do italiano Roberto Benigni que, no Oscar de 1999, praticamente dizimou as chances que “Central do Brasil” (1998) tinha de levar o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. Não parou por aí. Além desse festejadíssimo prêmio, também levou a estatueta de Melhor Ator, justamente Benigni, que também protagoniza sua fábula distorcida. Besteira ou não, me incluo nesses grandes defensores do filme de Walter Salles, que tem na atuação da dama Fernanada Montenegro seu principal argumento. Um primor, todos nós sabemos. Depois de jogar tudo no mesmo balaio, forcei a nudez dos preconceitos e, livre de qualquer opinião, me entreguei ao filme italiano.

Basicamente, o filme de Benigni se divide em duas partes, um duo sentimental, recheado de uma comédia às vezes descabida e, na maior parte do tempo, sem nenhuma graça. São piadas que aqui não causaria tanta comoção, porém elas fazem parte de um todo, de uma história que cresce gradativamente e vai, sem dúvida, chegar aonde quer. Então, o papel do espectador é bastante contemplativo e este vai ser testado muitas vezes ao longo da projeção. A emoção é genuína, de fato, mas padece de muita suposição, de muita beleza transposta para o sofrimento. Aí se tem um filme que cutuca a alma do espectador, querendo induzi-lo a um mergulho sem direção: assista a como esse homem viu o lado feliz da vida, quando tinha que amenizar questões que vão além de seu poder.

A primeira parte foca na relação que Guido (Benigni) tem com a mulher Dora (Nicoletta Braschi), uma paixão inocente, mas cheia de vida e de doação de ambas as partes. Nessa fase, o prêmio de Benigni fica levemente distante. Um trabalho normal, estável, em que o ator prova seu talento, mas não suplanta atuações como de Edward Norton, indicado por “A Outra História Americana” (1998), e de Tom Hanks, por “O Resgate do Soldado Ryan” (1998). A sinalização do prêmio vem mesmo na segunda etapa da obra do artista. O filme se passa nos anos 40 e Guido, agora separado de Dora, é levado para um campo de concentração junto com seu filho, seu maior legado. Sua intenção, no mesmo lugar onde o filme se torna mais tocante, é suavizar a noção de extermínio, escravidão e relações de poder entre raças, que tanto foram pregados durante o Holocausto, para que seu filho mastigue isso de forma branda e se sinta em casa. Guido é o escudo do filho, que distorce a verdadeira história, tendo a morte como uma possiblidade remota, pelo menos esquecida. Em Guido é diferente, ele sabe que o fim espreita.

O maior trunfo da caracterização de Benigni é a sinceridade com que abrange os temas propostos pelo filme. Exaustivamente, o ator veste-se de uma manta amável, enérgica e feliz demais que tudo se torna bastante distante. Por exemplo, “A Vida é Bela” não tem um pingo de sangue, nem sequer um nazista intragável que faz da vida judia o verdadeiro inferno. Numa visão mais universal, isso pode criar uma noção errada do terror que foi essa época, do quanto pessoas sofreram e do quanto deve ter sido impossível eufemizar essas questões tão cotidianas naqueles dias.

Benigni vence, quase que com certeza absoluta, pela temática que o filme aborda, tão apreciada pela Academia de Cinema há muito tempo. Não se pode ignorar seu talento, que é real, nem a beleza dessa relação que ele estabelece com o filho. Mas a tradução final não é tão eficiente, não ao ponto que vimos em 1999. A ingratidão dos percursos viáveis atingiu a vida desse filme e a vida real.
por Gustavo Pavan

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Jack Nicholson: "Melhor É Impossível" (1997)



JACK NICHOLSON (22/04/1937 – Nova York, Estados Unidos)
Primeiro filme: The Cry Baby Killer (1956)
Principais trabalhos: “Sem Destino” (1969), “Chinatown” (1974), “Um Estranho no Ninho” (1975), “O Iluminado” (1980), “A Honra do Poderoso Prizzi” (1985), “Batman” (1989), “Melhor É Impossível” (1997), “As Confissões de Schmidt” (2002).
Indicações ao Oscar: 1970 – Melhor Aotr Coadjuvante: “Sem Destino” | 1971 – Melhor Ator: “Cada Um Vive como Quer” (1970) | 1974 – Melhor Ator: “A Última Missão” (1973) | 1975 – Melhor Ator: “Chinatown” | 1976 – Melhor Ator: “Um Estranho no Ninho” – venceu | 1982 – Melhor Ator Coadjuvante: “Reds” (1981) | 1984 – Melhor Ator Coadjuvante: “Laços de Ternura” (1983) – venceu | 1986: Melhor Ator: “A Honra do Poderoso Prizzi” | 1988 – Melhor Ator: “Ironweed” (1987) | 1993 – Melhor Ator Coadjuvante: “Questão de Honra” (1992) | 1998 – Melhor Ator: “Melhor É Impossível” – venceu | 2003 – Melhor Ator: “As Confissões de Schmidt”.
Indicados em 1998: Dustin Hoffman por “Mera Coincidência” (1997) | Jack Nicholson por “Melhor É Impossível” (1997) | Matt Damon por “Gênio Indomável” (1997) | Peter Fonda por “O Ouro de Ulisses” (1997) | Robert Duvall por “O Apóstolo” (1997).

Para Jack Nicholson, interpretar um personagem “peculiar” não é grande novidade. O ator já havia concebido homens complexos tanto na personalidade – como é o caso de Robert Dupea, de “Cada Um Vive como Quer” (1970) – como nas atitudes – sendo aqui o melhor exemplo Randy Murphy, de “Um Estranho No Niho” (1975). Assim, com a oportunidade de interpretar Melvin Udall, um homem incrivelmente excêntrico, Nicholson soube agarrá-lo com firmeza e apresentá-lo em forma de interpretação sólida e elogiada, a qual lhe rendeu seu terceiro Oscar, tornando-se, depois de Walter Brennan (1937, 1939, 1941), Katharine Hepburn (1934, 1968, 1969, 1982) e Ingrid Bergman (1945, 1957, 1975), o quarto intérprete a conseguir tal façanha.

Udall é um escritor de romances que é sucesso de vendas em Nova York. Apesar do seu sucesso comercial, o homem tem severos problemas: possui transtorno obessivo-compulsivo, o que lhe obriga, por exemplo, a sempre iniciar seu caminhar pisando com o mesmo pé ou trancar e destrancar a porta três vezes antes de, por fim, estar contente; além das pequenas dificuldades cotidianas que seu TOC lhe causa, ele também é misantropo, o que obviamente cria problemas nas suas relações interpessoais. De certo modo, sua vida consiste em viver enclausurado na sua masmorra moderna (um apartamento extremamente limpo) e frequentar um restaurante – sempre levando seus próprios talheres, devidamente embrulhados num plástico – a fim de conversar com Carol Connelly, uma garçonete mãe-solteira por quem ele tem profundo apreço e a quem sempre assusta com todas as suas manias.

Melvin Udall, diferentemente dos outros personagens de Nicholson, não é apenas peculiar por trazer consigo características incomuns; ele é peculiar justamente por ser um dos personagens mais complexos da carreira do ator, uma vez que todo o enredo obriga o personagem a lidar não apenas com o outro ou consigo mesmo, mas com o outro e consigo em situações que o fazem conviver. Connelly, interpretada por Helen Hunt, que recebeu também o prêmio da Academia como Melhor Atriz, não é o único contato de Udall – ele precisa também lidar com Simon Bishop, seu vizinho homossexual cuja vida é ferrenhamente criticada por ele e, mais tarde, com  Verdell, cachorro de Bishop, que se torna elemento fundamental para a problematização da vida de Udall.

Melvin Udall, diferentemente dos outros personagens de Nicholson, não é apenas peculiar por trazer consigo características incomuns; ele é peculiar justamente por ser um dos personagens mais complexos da carreira do ator, uma vez que todo o enredo obriga o personagem a lidar não apenas com o outro ou consigo mesmo, mas com o outro e consigo em situações específicas que o fazem conviver, sem outra escolha, com as diferentes personagens que surgem. Connelly (Helen Hunt, premiada Melhor Atriz), objeto de afeição de Udall, é de certo modo seu passaporte para a normalidade – ele mesmo lhe diz: você me faz querer ser um homem melhor. Simon Bishop, seu vizinho homossexual cuja vida é severamente criticada, se torna um meio através do qual Udall comprederá as diversidades do ser humano. Verdell, o cão de Bishop, é outro elemento fundamental, afinal, é ele que representa a capacidade da pessoa de transformação, indo do ódio para o amor.

Com tantas peculiaridades, Melvin Udall poderia se tornar um personagem caricato, mas, graças à capacidade do ator, que mesclou bem as doses de humor e de seriedade, seu personagem se tornou um homem interessante de se observar. Os circuitos de premiações acharam o mesmo, tendo sido o ator nominado em vários prêmios, como o Globo de Ouro, o Sindicato dos Atores (SAG), Satelitte Awards, American Comedy Awards, sagrando-se o vencedor na categoria Melhor Ator em todos eles. Como curiosidade, vale lembrar que a vitória de Nicholson e Hunt no Oscar como protagonistas marca a sétima e última vez na qual os prêmios das categorias Melhor Ator e Melhor Atriz foram arrebatados por intérpretes de um mesmo filme.

 por Luís Adriano de Lima

sábado, 24 de agosto de 2013

Nicolas Cage: "Despedida em Las Vegas" (1995)



NICOLAS CAGE (07/01/1964 – Califórnia, Estados Unidos)
Primeiro filme: “Picardias Estudantis” (1982) – creditado como Nicolas Coppola.
Principais trabalhos: “Arizona Nunca Mais” (1986), “Feitiço da Lua” (1987), “Coração Selvagem” (1990), “Despedida em Las Vegas” (1995), “Cidade dos Anjos” (1998), “Um Homem de Família” (2000), “Adaptação” (2002), “A Lenda do Tesouso Perdido” (2004), “Motoqueiro Fantasma” (2007).
Indicações ao Oscar: 1996 – Melhor Ator: “Despedida em Las Vegas” – venceu | 2003 – Melhor Ator: “Adaptação”.
Indicados em 1996: Anthony Hopkins por “Nixon” (1995) | Massimo Troisi por “O Carteiro e o Poeta” (1995) | Nicolas Cage por “Despedida em Las Vegas” | Richard Dreyfuss por “Mr. Holland – Adorável Professor” (1995) | Sean Penn por “Os Últimos Passos de um Homem” (1995).

Não se sabe muito bem qual o momento de dar fim a alguma coisa. Simples. Em qualquer tipo de situação prazerosa o fim é sempre a pior parte. O término de um relacionamento de marido e de pai, o esquecimento de um ciclo coletivo e valorizado e os prazeres dos vícios mundanos são temas abordados pelo eficiente Despedida em Las Vegas (1995)”, filme do duvidoso diretor Mike Figgis. 

A obra anda sobre cacos afiados, todos pertencentes a vida de John O’Brien, que se suicidou dois meses depois de lançar o livro em que se baseou o filme. Trata-se de uma projeção que sangra todos os percalços da vida desse homem alcoólatra, abandonado em suas convicções e sonhos. A fidelidade às folhas é emocionante, mesmo que melancólica, induz a um sentimento prioritário a qualquer ser humano: solidariedade. Nessa obra, então, somos levados a vida de dois sócios de uma vida miserável, necessitados do carinho do mundo, mas jogados cada vez mais em direção ao abismo da solidão e da morte.

Ben, personagem de Nicolas Cage, é o sujeito quebrado que vai levantar as pautas produzidas por O'Brien e, mais tarde, por Figgis. Um homem sem emprego, jogado pela mulher e esquecido pelo filho, e que, para somar como argumento, tem um vício terrível no álcool, atropelado pela sua condição. De forma mais simples, o indivíduo é um beberrão abandonado pelas pessoas mais importantes de sua vida. Não pense, assim, que Ben possa ser uma personagem superficial, pelo contrário, o roteiro é tão rico que a figura desse homem cresce assombrosamente, focando numa fragilidade plena no semblante de Cage, estourando um balão de melancolia que arrasta toda nossa atenção para o trabalho de atuação, de fato, a ser aplaudido.

Quando Ben decide se mudar para Las Vegas e lá beber até morrer, seu mundo vira de cabeça para baixo. Ele conhece Sera (Elizabeth Shue, exuberante), uma prostituta que se apaixona por Ben e compõe a atmosfera mortal que acompanha os personagens. Sera surge para tornar nítida a situação precária em que Ben se afunda cada dia um pouco mais, e será, até o fim, a mão amiga que levará o cara até a beira do precipício. Se existe tentativa de controlar a fúria de Nicolas Cage, Elizabeth Shue devolve tudo com flores mortas. Sua situação também não é forte o bastante para salvar Ben, mesmo que ela o entenda, seu único artifício é ser companhia de um homem rejeitado.

Nicolas Cage poderia ter uma carreira brilhante e invejável. Começou bem. Ainda muito novo, recebeu essa indicação ao Oscar, saiu vencedor e louvado do Kodak Theatre; era o próximo-homem do Cinema. Seu talento deixou o mundo espantado. A caracterização perfeita do sujeito alcoólatra que anda aos tropicões em busca de morte, e que seja, enfim, a vida; a transição da mente sóbria para a aura fantasiosa e de novo para a sobriedade, culminando na depressão; faces de um mergulho existencial do ator em busca da verdade. Extremamente detalhista, Cage realmente impressiona em cena. Da fragilidade, aparente na cena em que, no meio do sexo oral, pede que Sera pare e volte a conversar com ela, demonstrando profunda habilidade do ator, ao ter que migrar da glória ao prazer (estimulado por drogas), para a sutil percepção humana, até a infantilidade e agressividade habituais em pessoas alcoólatras. 

Cru e vazio, Nicolas Cage levou muito a sério o perfil do homem inconsequente, brincalhão. Talvez, hoje, esteja perdido no mundo e nas ideias como Ben estava. Diferentemente, em Ben ainda havia uma consciência forte de seu estado, da sua falta de relevância.
por Gustavo Pavan