terça-feira, 30 de outubro de 2012

Opiniões - Parte 4



Jack Nicholson, vencedor na categoria de Melhor Ator por "Um Estranho no Ninho".

1976: O ANO DA MARGINALIDADE

Sempre que analiso uma cerimônia, tento encontrar razões sociológicas que determinem as escolhas feitas pela Academia. Quando se avalia algum tipo de arte, é necessário compreender que, por trás dela, há todo um pensamento social que a constrói; desse modo, não há por que ignorar as pessoas na equação que leva ao resultado final objeto desse meu texto, isto é, os vencedores do Oscar. Um filme pode ser definitivamente uma grande obra de arte, mas é necessário observar o diálogo que se estabelece entre ele e o seu público a fim de avaliar o quão bem sucedido o produto é. E pode-se dizer, grosso modo, que todos os filmes indicados em 1976 conseguem uma boa conversa com os espectadores.

Como disse em meu texto sobre “Um Estranho no Ninho” (1975), penso que o filme seja muito mais temático do que figurativo. Apesar do seu bom desenvolvimento e das interpretações eficientes – Nicholson estava, aliás, num dos melhores momentos de sua carreira –, o filme significa muito mais enquanto mensagem sócio-ideológica do que enquanto arte. Vejo-o como a grande oportunidade de os Estados Unidos criticarem o seu próprio comportamento, e isso aconteceu quando, metonimicamente, o país (produtores do filme) produziu uma obra que discorresse sobre o seu próprio sistema. A vitória nas cinco principais categorias é, a meu ver, uma excelente campanha publicitária que se fez em torno do filme e que acabou por lançá-lo a um nível artístico no qual não está.

Melhor Ator e Melhor Atriz: Nicholson e Fletcher.
Isso, porém, não significa que a obra não seja boa, pois é, verdadeiramente, uma das produções que realmente merecem ser vistas. São problemas exteriores ao filme que me tornam incrédulo quanto à sua vitória em tantas categorias: venceu “Barry Lyndon” (1975) como Melhor Filme; venceu Kubrick (pelo filme recém-citado) e Sidney Lumet (por “Um Dia de Cão”, 1975) na categoria Melhor Diretor; venceu Isabelle Adjani, uma true leading actress, como Melhor Atriz; e, mais uma vez, “Barry Lyndon” como Melhor Roteiro Adaptado. Se me deixa descontentado a vitória de Louise Fletcher como Melhor Atriz, não apenas porque sua função no filme é a de coadjuvante, mas também porque o seu desempenho, mesmo se indicada na categoria que julgo apropriada, não me soa válido de premiação, ainda que, reforço, eu o considere bastante eficiente. O que Adjani realiza em cena é estupendo e magnífico, não se pode acompanhar a sua Adèle H. (de “A História de Adèle H.”, 1975) sem se entregar totalmente à maravilhosa composição da jovem atriz francesa. Como disse: penso que o excelente trabalho de marketing para o filme de Milos Forman funcionou; é a única justificativa que encontro.

Oscar Honorário a Mary Pickford.
Para se analisar a influência dos Estados Unidos, é necessário que compreendamos dois comportamentos sociais que acontecem paralelamente: aquele conservador e aquele subversivo. Não é difícil saber qual é o pensamento predominante, principalmente quando pensamos num país cujas atuais circunstâncias advêm de anos de investimentos nas áreas militar e bélica, na ciência e tecnologia, na formação de cultura e na disseminação do seu padrão comportamental. No entanto, paralelamente à maioria, estão aqueles grupos que propõem uma nova ordem. Nas décadas de 1960 e 1970 (esse último mais importante, que é quando se insere a edição que debatemos aqui), houve pelo menos dois grandes movimentos de “revolta”: na sociedade, verificaram-se a contracultura, que já havia começado no anos 50, quando, aliás, teve o seu auge, e o movimento hippie, muito forte na década de 60 e inquestionavelmente nascido dos idéias contraculturais; no cinema, viu-se o surgimento da Nova Hollywood, que era justamente o grupo de diretores que tomaram as rédeas dos seus próprios filmes, criaram obras pessoais e bastantes particulares e ainda se focaram na crítica social, no conflito do indivíduo, numa estética da “irresolução”. Esses três movimentos bastante marcantes, cada um tendo sua ênfase em uma década, potencialmente podem ter sido responsáveis pelas escolhas da Academia no ano de 1976.

Elizabeth Taylor em 1976.













Escrevendo isso, parece que eu tento justificar a vitória de “Um Estranho no Ninho” nos cinco principais prêmios, sendo, portanto, aquele que porta uma distinção bastante rara dentre os filmes que foram vitoriosos no Oscar. Não é essa minha intenção, porém. Quero apenas apresentar o fato de que 1976 ficou marcado justamente pela apresentação dos personagens marginais, do experiencialismo, daquilo que fugia à tradicionalidade e ao tradicionalismo. Basta ver as figuras que foram representadas pelos filmes indicados naquela edição: Randle McMurphy, do filme vencedor, um verdadeiro desajustado na sociedade, que não lhe permite viver conforme sua moral; também Sonny, de “Um Dia de Cão”, que se envolveu num assalto a um banco em nome do seu amor por outro homem; nessa lista ainda vemos Raymond Barry, protagonista de “Barry Lyndon”, nominado a Melhor Filme, que é notadamente um arrivista social numa escalada lenta e sem muitos escrúpulos pelo poder; falamos ainda de Arthur Goldman, um judeu nazista em “Um Homem na Caixa de Vidro” (1975); também falamos das seguintes mulheres: Gitl, uma judia que veio para os Estados Unidos sem conseguir se habitar aos costumes do país, Adèle Hugo, filha de um dos maiores escritores franceses que cedeu ao amor e à loucura, e Nora Walker, uma mulher numa ininterrupta e cômica tentativa de trazer seu filho do mundo obscuro da esquizofrenia – elas são vistas respectivamente em Hester Street (1975), “A História de Adèle H.” e “Tommy”. Falando em “Tommy”, aliás, não se lhe pode ignorar as características psicodélicas e exageradas presentes ao longo de toda a trama e que diferem o filme de todos os outros que concorreram naquela edição. Adicionando mais nomes à lista acima, vimos “O Dia do Gafanhoto” (1975) – um maravilhoso filme, aliás –, dominado por personagens em desajuste, desde uma garota que sonha em ser atriz e, não conseguindo, vive de figuração e de conquistas, até um homem totalmente passivo que aceita todas as demandas da moça sem qualquer tipo de reação; vê-se ainda a super-sexualizada Linda Riggs em “Apenas uma Vez Não Basta” (1975), a alcoólatra derrotista Jessie em “O Último dos Valentões” (1975) e os adúlteros Felícia e Lester, de “Shampoo” (1975). Dos vários personagens que citei acima, 10 deles renderam a seus atores vagas dentre as 20 indicações destinadas às categorias de atuação.

Insisto: 1976 é o ano em que a Academia deu espaço àquilo que fica à margem da sociedade, que vive numa periferia social, que muitas vezes nem sequer consegue existir bem enquanto ser humano. Hollywood cedeu àquilo que, não obstante não lhe fosse novo, lhe era, penso, bastante incomum, sobretudo porque valorizar o marginal significa, numa proporção tão grande quanto a do Oscar, abrir mão do que é tradicional e conservador. E isso soa bastante estranho, ainda mais quando pensamos que, hoje, mais de trinta anos depois dessa cerimônia, a Academia continua bastante duvidosa nas suas escolhas e decisões. Mas, como disseram meus colegas de blog, essa cerimônia se trata de uma que traz consigo bons títulos e que verdadeiramente consegue remeter a algo positivo, a algo válido que merece ser conhecido.

por Luís Adriano de Lima

Um comentário:

Renan disse...

Infelizmente não assisti a nenhum filme nominado no ano avaliado, mas concordo com você.

Pensar que a academia nomeia os indicados sem nenhuma razão ou observando apenas as suas atuações, direção e etc, é bobeira. Também acho que há um fundo sócio-político nas escolhas da Academia, sendo que, algumas vezes, essaas fundamentações ficam extremamente claras,como em 2002, ano que a Academia premiou diversos profissionais negros.