segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Bette Davis: "O Que Aconteceu a Babe Jane?" (1962)



O QUE ACONTECEU A BABE JANE? (What Ever Happened to Babe Jane?, 1962, 134 min)
Direção: Robert Aldrich
Roteiro: Lukas Heller, baseado na obra homônima de Henry Farrell
Indicações: 1. Melhor Atriz | 2. Melhor Ator Coadjuvante | 3. Melhor Fotografia PB | 4. Melhor Figurino PB | 5. Melhor Som


Nominadas em 1963: Anne Bancroft: O Milagre de Anne Sullivan || Bette Davis: O Que Aconteceu a Babe Jane? || Geraldine Page: O Doce Pássaro da Juventude || Katharine Hepburn: Longa Jornada Noite Adentro || Lee Remick: Vício Maldito

Adaptado do romance do escritor Henry Farrell (1920-1986), então mais conhecido por assinar textos de conteúdo macabro, O que Aconteceu a Baby Jane?” (1962), além de trazer o suprassumo de um escritor até o momento subestimado, também é o momento em que duas das maiores atrizes norte-americanas da Hollywood clássica, Bette Davis (1908-1989) e Joan Crawford (1906-1977), se encontraram em cena. No entanto, se nos “anos de ouro” as interpretes ficaram conhecidas pela beleza, elegância e talento, o filme dirigido pelo diretor Robert Aldrich (1918-1983), produzido em 1962, passava longe de aproveitar a formosura jovial de outrora, até porque ambas estavam bem perto de completar sessenta anos. Aqui, o foco principal era colocá-las se antagonizando em um duelo de talento e mise en scène. A conhecida antipatia que uma nutria pela outra, e vice-versa, talvez possa ter sido fator motivacional decisivo para cada uma dar o melhor de si, e como resultado final, o grande beneficiado foi o público, prestigiado com interpretações magistrais.

Antes de chegarmos ao mote principal de “O que Aconteceu a Baby Jane?”, a narrativa dedica seus minutos iniciais para demonstrar fatores traumatizantes na vida das duas protagonistas. Primeiro, em 1917, Jane Hudson (aqui, Julie Allred), ainda bem nova, era uma sensação nacional conhecida como Baby Jane. Ao lado do pai encantava plateias com sua ternura infantil, mas desde aquele tempo demonstrava uma fúria e descontrole interior irremediável. Nesse momento inicial, Baby Jane tem todas as atenções, enquanto sua irmã, Blanche Hudson (aqui, Gina Gillespie) se mantém em segundo plano, revelando até uma ponta de inveja. Em seguida, a trama avança até 1935, onde então temos Blanche como uma segura estrela de cinema enquanto Jane, desprestigiada, vive à sombra da irmã, dependendo de sua influência para trabalhar em filmes de qualidade duvidosa. Interessante, como em pouco tempo de exibição, a narrativa de 1935 consegue pontuar com sagacidade os entremeios dos bastidores do cinema da época, onde produtores e donos de estúdio ditavam o ritmo.

Percebendo-se que Jane não é mais uma artista reverenciada, sem cerimônia, a trama trata de criar a problemática central de “O que Aconteceu a Baby Jane?”: ainda em 1935, um misterioso acidente deixa a então estrela Blanche paraplégica. Assim, depois de quase vinte minutos, os créditos iniciais aparecem e o título sobe junto a uma marcante trilha sonora de film-noir, elucidando que boa coisa não vem pela frente. Saltando novamente no tempo, dessa vez algumas décadas, a narrativa nos coloca dentro da casa das irmãs Hudson, onde na meia-idade vivem no ostracismo, com Jane (agora, Bette Davis) cuidando de maneira relapsa de uma Blanche (agora, Joan Crawford) debilitada pela deficiência física. Logo também percebemos que se Blanche mantêm suas faculdades mentais saudáveis, contrastando com seu corpo deficiente, o mesmo não pode ser dito de Jane. Alcoólatra, a ex-pequena notável mostra-se cada vez mais violenta e invejosa quanto ao status de celebridade que, mesmo enclausurada, a irmã ainda detém, principalmente pelas constantes reprises na televisão dos filmes antigos protagonizados por Blanche.

A trama deixa claro que Jane tem a intenção de fazer de Blanche um joguete de sofrimento, muito pela condição, que ela acha injusta, de cuidar incondicionalmente da irmã e ainda de carregar o estigma de culpada pelo acidente trágico. Contudo, Jane não é dimensionada simplesmente como uma vilã unidimensional. O roteiro tem cuidado em trazer nuances ao caráter dela, mostrando como a dificuldade de lidar com o esquecimento e a velhice, aliado também a um egoísmo nato e o vicio alcoólico, podem ser um tanto enlouquecedores. Entre as práticas reprováveis e infantis de Jane, afinal, apesar de ter um corpo maduro, sua alma parece viver no passado, sendo a mesma criança birrenta e mimada pelo pai, existe também um improvável sonho de voltar a ser uma estrela. Para isso, Jane se envolve com um músico meio picareta interpretado pelo ator Victor Buono (indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1963). A parceria rende alguns dos momentos mais melancólicos e de estranha beleza do filme, como quando ensaiam a canção principal de Baby Jane: I´ve writen a letter to Daddy, interpretada de forma genialmente bizarra por Bette Davis.

Entre tantas qualidades evidentes de “O que Aconteceu a Baby Jane?”, como fotografia em preto e branco primorosa e figurino, vencedor do Oscar, perfeitamente condizente com o clima distópico da obra, é importante ressaltar, que talvez nunca um filme com uma pegada deveras teatral foi tão bem desenvolvido. O excesso de diálogos nunca incomoda, alias, é um deleite apreciar duelos verbais advindos de interpretações tão imersivas. A atriz Joan Crawford mantém sua famosa elegância, mas longe de ser uma mocinha clássica, carrega no olhar todo o desespero de uma pessoa presa a uma cadeira de rodas que é infringida por uma debilitada mental. Á medida que Bette Davis, com seu apreço por personagens em que possa se transformar fisicamente, entrega uma interpretação monstruosa. A atriz some dentro de Jane Hudson, trazendo o personagem a vida com uma força fulminante. A magnitude é tão intensa, que quando Jane se assusta com seu reflexo no espelho, capaz do espectador se assustar também.

O Oscar de 1963 foi à última vez que Bette Davis foi nomeada ao prêmio, a atriz já havia sido indicado dez vezes anteriormente, tendo conquistado a estatueta por duas vezes (1936 e 1939). Contudo, se não saiu vencedora, afinal era um ano bem concorrido com Anne Bancroft (vencedora) e o excelente “O Milagre de Anne Sullivan” (1962) e Katharine Hepburn com “Longa Jornada Noite Adentro” (1962), deve ter sido mágico ver essa brilhante atriz em plena forma em uma obra onde o viés, de fato, é a atuação. O diretor Robert Aldrich também merece todos os louros por conduzir de forma minuciosa “O que Aconteceu a Baby Jane?”, desfiando com tensão crescente, melancolia nostálgica e até uma espécie de redenção transviada, o impressionante jogo psicológico proposto pelo roteiro de Lukas Heller. A sensação é que estamos diante de uma realização onde diversos fatores conjuraram para a excelência, desde os já citados aspectos técnicos, passando por uma direção competente, ciente do que é necessário para a obra funcionar e culminando em atuações inesquecíveis. Resultado, sem exageros: obra-prima!

por Celo Silva

Um comentário:

Kamila disse...

Ainda não assisti ao clássico que é "O Que aconteceu a Baby Jane?". Preciso conferir essa falha cinéfila urgentemente. O Celo está de parabéns pelo excelente texto sobre o filme.