UM ESTRANHO NO NINHO
(One Flew Over the Cuckoo’s Nest,
1975, 133 min)
Produção: Estados Unidos
Direção: Milos Forman
Roteiro: Lawrence Hauben e Bo Goldman
Elenco: Jack Nicholson, Louise Fletcher,
Brad Dourif, Danny DeVito, Scatman
Crothers, Sidney Lassick, Michael Berryman.
Dois fatores transformaram “Um Estranho no Ninho” (1975),
dirigido pelo checo Milos Forman, num dos maiores títulos do cinema: primeiro,
trata-se de uma obra com uma mensagem bastante eficiente, interessantemente
apresentada de modo alegórico num país – mais do que isso: sobre um país – cujo sistema é bastante duvidoso, quase feroz em
relação àqueles que saem da linha; segundo, por ter sido imortalizado na
história do Oscar como o segundo de apenas três filmes a conquistar os maiores
prêmios da noite – Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz e,
no caso desse filme, por se tratar de uma adaptação, Melhor Roteiro Adaptado.
Antes dele, apenas “Aconteceu Naquela Noite” (1934) havia conseguido o mesmo;
depois dele, apenas “O Silêncio dos Inocentes” (1991) repetiu a façanha.
Particularmente, prefiro me focar na abordagem
sociológica, que é decerto a mais interessante, justamente porque acho que as
tantas vitórias do filme no Oscar significaram mais campanha publicitária
pesadíssima do que reconhecimento real daquilo que o filme apresenta. Até
porque, convenhamos, indicar Louise Fletcher na categoria de atuação feminina
principal é um absurdo. Mais absurdo ainda é premiá-la quando ela concorria com
outras atrizes que, sem esforço, apresentam trabalhos melhores. Mas, retomando,
penso que o trabalho do filme quanto à sua mensagem é aquilo que mais chama a
atenção. Randle McMurphy é um cara desajustado: não apenas teve problemas de
comportamento como persiste na sua noção de que tem o direito de fazer tudo o
que quer. Depois de se relacionar com uma garota contra a vontade dela, ele é
preso, mas, para evitar o trabalho na penitenciária, ele alega instabilidade
mental a fim de ser enviado a uma instituição para tratamentos mentais, local
comandando com mãos de ferro pela enfermeira Ratched, uma mulher praticamente
inabalável, de fala calma e inalterável. A antipatia é imediata e não resta
nada a McMurphy fazer senão tentar tornar aquele lugar um pouco mais tolerável,
mesmo que isso implique causar certos transtornos para Ratched.
De certo modo, a direção de Milos Forman parece recostar
na personagem de Jack Nicholson. Qual McMurphy – notadamente um desajustado –,
Forman também teve seus maus dias quando veio aos Estados Unidos, país que,
antes de reconhecê-lo pelo seu trabalho na indústria do cinema, fez com que ele
ficasse restrito a poucos trabalhos e, num determinado momento, até mesmo
proibido de trabalhar, já que a Associação dos Diretores Cinematográficos havia
declarado não haver espaço para os diretores americanos, não havendo, pois,
espaço para imigrantes também. A influência dos amigos de Forman que o fizeram
voltar à indústria, mesmo que isso tenha implicado em alguns fracassos na
primeira metade da década de 1970. Foi com o comando de “Um Estranho no Ninho”
– pode-se dizer, ele mesmo um
estranho no ninho – que Forman conquistou o estrelato e o respeito. Tendo
compreendido a cultura americana, ele se dedicou a criticá-la nas suas obras, e
esse filme é justamente isso: a exposição de um homem cuja vida não se adéqua
àquilo que o sistema determina e, por conseqüência, precisa ser exterminado.
Se McMurphy é a representação do desajuste, a enfermeira
Ratched é a alegoria perfeita do sistema. Assim como é difícil defini-lo, é
também difícil definir a figura da enfermeira, sempre muito organizada, muito
doce e gentil, às vezes áspera, mas sempre tentando nos convencer – ainda que
não explicitamente – de que sua mudança de comportamento é reação a uma ação e
não pura premeditação. Ratched é, sem sombras de dúvida, o que melhor
representa uma cultura alicerçada em aculturamento, sendo ela própria uma
defensora da política de “fazer andar na linha”: em toda conversa, sua palavra
é a última; em caso de euforia decorrida de descontentamento, há sempre aqueles
que podem vir auxiliá-la a por ordem no ambiente; em situações mais graves, de
transtorno, do que ela julga impertinente, a lobotomia. Assim, não se lhe pode
questionar suas decisões tampouco se pode, sem aprovação dela – do sistema – ser
o que se quer ser ou que se naturalmente é – pouco a pouco, na sua postura
inabalável, ela transforma todos conforme suas vontades, nem que para isso,
alegando ser essa a solução para o bem-estar de todos, precise “inutilizar” a
pessoa de suas funções de ser pessoa.
Jack Nicholson já tinha uma carreira consideravelmente
consolidada em 1976, quando venceu o Oscar pela sua interpretação nesse filme.
Já havia sido indicado quatro vezes antes e em todas elas, numa análise mais
específica das obras e dos personagens, ele havia representado o homem em
confronto com aquilo que lhe é dito para fazer. George Hanson, de “Sem Destino”
(1969), é um advogado cansado da restrição da sua rotina que se une a dois
viajantes numa jornada com muitas drogas e bebidas. Robert Dupea, de “Cada um
Vive como Quer” (1970), é um ex-pianista que abdicou de seu passado rico para
viver em busca daquilo que realmente o faz feliz, mesmo sem saber
especificamente o que é seu objeto de desejo. Buddusky, the The Last Detail (1973), é um oficial a
quem são dadas ordens de prender um rapaz que roubou quarenta dólares – vendo o
rapaz, nem menino nem adulto, decide apresentá-lo às coisas que ele precisa
conhecer antes de finalmente tornar-se adulto. Por fim, J. J. Gittes, de
“Chinatown” (1974), um detetive particular que descobre um caso de corrupção e
assassinato e se envolve totalmente apesar dos riscos iminentes contra sua
própria vida. Em 1975, Nicholson personifica McMurphy, e o arquétipo do homem
desajustado e persistente já lhe era bem conhecido, e o ator já sabia bem como
dar formas ao seu personagem. Ainda que seu histórico até então seja bastante
enfático na construção dessas personalidades, vale o comentário de que o ator
nunca se repetiu, sendo “Um Estranho no Ninho” outra excelente realização sua.
As dicotomias no filme são evidentes e o espectador é o
tempo todo colocado a par das oposições representadas por McMurphy e Ratched:
ele sempre irônico, ela sempre sem humor; ele sempre despenteado, ela sempre
engomada; ele de roupas escuras, ela de roupas claras – e, curiosamente, quando
ele está de roupas claras, ela as veste em tons escuros; enfim, ele vs. ela, a sanidade vs. a loucura, a prisão (suposto local desumano) vs. a casa de tratamento (suposto local
de cura). Ironia absoluta: fugindo da prisão, Randle acaba preso; buscando o
conforto de uma casa de saúde, acaba ele
mesmo mentalmente abalado. E toda a proposta de debate do filme caminha no
sentido de que o espectador possa o tempo todo se perguntar até que ponto é
válido seguir um caminho que não é determinado por você mesmo, até que ponto é
adequado obedecer em vez de questionar as regras e mudá-las, e até que ponto é
saudável perder sua individualidade devido a situações que te impedem de agir
de um determinado modo. Randle, nesses questionamentos, nas suas atitudes
conflituosas, nos prova que um homem sozinho não muda qualquer sistema: ou se
perde a vida tentando se adaptar a ele ou a perde lutando contra ele. Talvez,
mais do que a figura briguenta de Randle McMurphy, o que fica na nossa mente é
a imagem de Racthed, polida demais na sua fala sóbria, um quase sorriso no
rosto, alegando que a música-ambiente é para o conforto de todos os pacientes
mesmo sem ter, em momento algum, perguntado a alguém se lhes era do agrado a
melodia insossa que podemos ouvir ao longo da exibição do filme.
INDICAÇÕES (5
vitórias):
1. Melhor Filme: Michael Douglas e Saul Zaentz – venceu
2. Melhor Diretor: Milos Forman – venceu
3. Melhor Ator: Jack Nicholson – venceu
4. Melhor Atriz: Louise Fletcher – venceu
5. Melhor Ator Coadjuvante: Brad Dourif
6. Melhor Roteiro Adaptado: Lawrence Hauben e Bo Goldman –
venceu
7. Melhor Fotografia: Haskell Wexler e Bill Butler
8. Melhor Trilha Sonora Original (Drama): Jack Nitzsche
9. Melhor Edição: Rciahrd Chew, Sheldon Kahn e Lynzee
Klingman
por Luís Adriano de
Lima
4 comentários:
Um belíssimo texto pra um filme que merece muito! "Um Estranho no Ninho" é um grande longa, tanto que é um dos poucos a ganhar os cinco Oscars principais. A história dessa obra é muito forte. Muito mesmo. O final continua tendo um grande impacto mesmo se você já assistiu a este filme algumas vezes.
Obra-prima absoluta.
eu gosto muito do filme e discordo quando você diz que a Louise Fletcher não merecia a indicação e muito menos o Oscar. ela mereceu cada centímetro daquele Oscar por fazer uma personagem tão complexa parecer simples demais!
Cheguei a conhecer o diretor pessoalmente e me hospedar na sua residência ( casa de hóspede) e para mim ele sempre foi brilhante, competente e também uma grande incógnita !
Postar um comentário