DJANGO LIVRE (Django
Unchained, 2012, 165 min)
Produção: Estados Unidos
Direção: Quentin
Tarantino
Roteiro: Quentin
Tarantino
Elenco: Jamie Foxx,
Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson, Kerry Washington, Walter
Goggins, Laura Cayouette.
Esse texto foi
publicado originalmente na página O Espectador Voraz, em 9 de janeiro de 2013.
Primeiramente,
recomendo para uma melhor apreciação de “Django Livre”
(2012), novo longa-metragem do controverso cineasta americano Quentin Tarantino, abstrair as
preocupações em relação a considerações históricas. Digo isso, embasado até em
uma recente entrevista do diretor, porque Tarantino afirmou que tem apreço por retratar situações
históricas, pois assim tem liberdade para reescreve - lá ao seu bel prazer. Se
em sua obra anterior, Bastardos
Inglórios, isso ficou mais evidente, com o diretor usando de personagens
notórios da recente história mundial como coadjuvantes de luxo, em Django Livre essa mexida na história
pode parecer mais genérica. Até porque não existem figuras celebres semelhantes
na trama.
No contexto de Django Livre,
diria que essa “reinvenção” da história americana, sugestionada pelo diretor,
seria mais voltada para o caráter social da época visitada. Entretanto,
desprovida de compromisso ou zelo pelos principais retratados no filme: os escravos.
Assim como outras obras que tocam no assunto, os escravos, justamente, são
mostrados como vítimas de um sistema que os utiliza sem piedade para se
engrandecer. Contudo, aqui, Tarantino
não procura ser lisonjeiro ou edificar os mesmos. Se o filme traz cenas de
violência exacerbada contra eles, talvez na época, elas fossem até pior e nesse
sentido, acredito não ser errado dizer que Django Livre em um primeiro momento se desprende de veracidade
histórica, mas posteriormente procura fidelidade de fatos menores,
principalmente para preencher com mais qualidade esses detalhes secundários da
narrativa.
Os dois primeiro
parágrafos podem trazer uma idéia diferenciada para o verdadeiro teor de Django Livre.
Ainda que o filme de Tarantino
toque em assuntos delicados, a sua intenção não é causar reflexão, mesmo que
ela possa surgir involuntariamente. O diretor faz alça de mira para a diversão
adulta, o entretenimento propriamente dito, mas sem nunca perder seu viés
autoral. A sua visita ao western
mostra desenvoltura, perspicácia e certa dose de ousadia. Vejam bem, onde um
filme desse gênero teria um caçador de recompensas dentista, lisonjeiro e
educado? Ou um “Sinhô” poser,
que come “bolo branco” e
preocupado com as aparências? Essas são características que englobam o tipo de
cinema praticado por Tarantino,
referencial sim, mas simples imitação não. Como poucos, o diretor faz paródia
com criatividade.
Declarada como
segunda parte de uma trilogia, Django Livre discorre sobre a temática
vingança, tão cara a seu realizador. O ambiente é o Texas do pós-guerra civil
americano. Os protagonistas, um caçador de recompensa, Dr. King Schultz (Christopher Waltz) e um escravo
liberto por ele, Django (Jamie Foxx).
A missão: resgatar a esposa escrava de Django, a bela Brumhilde (Kerry Washington), de uma renomada
fazenda algodoeira, CandieLand, comandada pelo presunçoso Calvin Candie (Leonardo DiCaprio). Entre uma ponta e
outra da narrativa, Tarantino
investe em sua conhecida verve para digressão dissociada, pontuando com diálogos
tão mordazes, tensos, quanto divertidos. Contudo, dessa vez, as digressões não
avançam para fora da temática central, assim como os flashback, artifício muito utilizado pelo diretor em outras
obras, mas que aqui são bem moderados e curtos.
Essa afirmativa
da última sentença do parágrafo acima faz chegar à conclusão de que Django Livre
é a obra de Tarantino mais
linear e de aspecto tradicional. Os recursos estéticos narrativos de outrora,
como cartões-títulos para introduzir situações ou mesmo a divisão por
capítulos, são deixados de lado. Se por um lado o filme perde (ou ganha,
dependendo do ponto de vista) com certos maneirismos renunciados, por outro, a
parte visual continua sendo um atrativo a parte. A fotografia de Robert Richardson enche os olhos ao
captar os diversos aspectos da geografia e natureza americana, característica
do western ianque, como a neve
e os belos crepúsculos. Verdade que senti falta de mais tomadas de cavalgadas,
perseguições, apesar de o filme guardar uma seqüência de ação especial, tão
cômica quanto agitada, envolvendo um ataque da Ku-Klux-Klan aos nossos protagonistas.
Era esperado que
em Django
Livre o diretor mesclasse a escola americana de western com a italiana, mais conhecida como spaghetti. Todavia, eu não imaginaria
que Tarantino pegaria a segunda
como prioridade estética. Em uma analise curta e grossa, Django Livre seria um spaghetti realizado e contextualizado
dentro da cultura americana. Nesse sentido, é onde volto para reafirmar o viés
autoral que Tarantino imbui na
obra. No meu ponto de vista, o diretor consegue hibridizar com certa
naturalidade esses distintos subgêneros do faroeste, com se um dependesse do
outro para existir. E nessa alternância entre o cômico e o sério, exagerado e o
realístico, é onde o filme torna-se curioso, cativante e ganha força, sempre se
renovando para seguir sem contratempos dentro de suas quase três horas de
duração.
Sem um
interprete esquecido para revitalizar ou algum desconhecido para revelar, Tarantino aposta em atores competentes
da atualidade e colaboradores de longa data. A parceira incomum dos personagens
de Christopher Waltz e Jamie Foxx é a força motriz de Django Livre.
Respectivamente, seus Dr. King Schultz e Django são anti-heróis improváveis
dentro da mitologia do western.
Não existiriam tão somente se não tivessem sido criados, ou resgatados e
reinventados de alguma obra obscura, pela mente inventiva desse diretor de
talento inegável. No entanto, se criamos gosto para acompanhar as peripécias da
dupla, uma outra dupla, quando entra para antagonizar os protagonistas, toma a
cena de assalto. São eles, o já citado escravocrata Calvin Candie de DiCaprio e o chefe dos escravos de
CandieLand, Stephen (Samuel L. Jackson),
também conselheiro e bajulador oficial do “Sinhô”.
Sob a batuta de Tarantino, também conhecido pela
competência e eficiência em dirigir atores, Samuel L. Jackson entrega mais uma atuação icônica. Seu
personagem é ponto chave para a principal virada da trama, e delineado pelo
ator de forma arrogante, preconceituosa para com os negros, apesar de também
ser negro, acaba por se tornar um autêntico vilão velado. A exemplo de seu
parceiro de cena, DiCaprio
imerge dentro de seu personagem, uma alternância entre sujeito elegante, metido
a moderno, mas com rompantes de fúria quando ludibriado e passado para trás.
Verdade seja dita, o ator deveria fazer mais vilões, o manto das diabruras lhe
caiu muito bem. Com relação ao restante do elenco, a atriz Kerry Washington, que faz a esposa de
Django, entrega uma atuação comum, sem grandes contornos, até pelo seu pouco
tempo em cena. Django
Livre ainda conta com participações mais do que especiais de veteranos
como Don Johnson, o lendário
ator italiano Franco Nero e o
jovem ator de comédias, Jonah Hill.
Não poderia
terminar sem falar da trilha sonora de Django Livre. Tarantino tem um declarado apreço pessoal em garimpar canções
especiais para suas obras. Aqui, não poderia ser diferente. O diretor pincelou
canções significativas de faroestes italianos, americanos, assim como quatro
temas compostos pelo mestre Ennio
Morricone. Entretanto, o polêmico hip-hop
do rapper Rick Ross e o dueto
póstumo entre o também rapper Tupac
e o rei do soul James Brown
pontuam com bastante propriedade duas das mais significativas cenas. Django Livre funciona tanto para os
olhos quanto para os ouvidos. Se perceberem, ainda não abordei os aspectos
violentos da obra, advindos principalmente de eloqüentes e bem dirigidas
seqüências de tiroteio, para fazer inveja a Sam Peckinpah e deixar Sergio
Leone cheio de orgulho. Talvez esse seja o Tarantino mais sangrento de todos, até mais do que Kill Bill. Violência gratuita em
certos momentos, mas funcionando a favor do riso, em outros, acaso das
situações.
Enfim, acho que
me alonguei demais nessa resenha, mas como Django Livre é um filme longo, repleto
de nuances, a demanda por certas considerações se tornam maiores. Pessoalmente,
apesar do caráter épico da obra e todas suas ressalvas positivas, Django Livre não vem a ser o melhor
filme de Tarantino, talvez o
mais divertido, cômico ou o que o diretor, impreterivelmente, mas se deliciou
em realizar. No entanto, se o filme apresenta alguma imperfeição aqui ou acolá
(de fato, elas existem), acredito serem irrelevantes dentro do resultado final.
Alias, o bonito da arte é sua negação em ser uma ciência exata, perfeita. Como
podar os delírios e pretensões de uma artista que fervilha idéias? Essa última
indagação não se refere apenas a Tarantino,
estendo a todos realizadores (seja música, teatro, literatura) que não se detém
em convenções para agradar a maioria. O que pode ser excesso e exagero para
uns, para outros, é puro deleite.
INDICAÇÕES (2 vitórias):
1. Melhor Filme:
Pilar Savone, Reginald Rudlin e Stacey Sher
2. Melhor Ator
Coadjuvante: Christoph Waltz – venceu
3. Melhor
Roteiro Original: Quentin Tarantino – venceu
4. Melhor
Fotografia: Robert Richardson
5. Melhor Edição
de Som: Wylie Stateman
por Celo Silva
2 comentários:
"Django Livre" é um filme excelente na sua parte técnica, que comprova todo o amadurecimento de Quentin Tarantino como diretor. No entanto, acho que o diretor/roteirista pecou aqui pelo excesso. Excesso de duração, de violência, de amor pela sua história.... "Django" vale muito a pena por causa das excelentes atuações do roteiro, com destaque para leonardo dicaprio e Samuel L. Jackson. Acho a atuação de Christoph Waltz caricata e uma repetição dos trejeitos do Hans Landa de "Bastardos Inglórios". O Oscar de Ator Coadjuvante estaria em melhores mãos se Philip Seymour Hoffman ou Tommy Lee Jones tivessem vencido.
Pode não ser um dos melhores, mas ainda consegue ser um dos melhores, rs
Adorei o filme! Vi duas vezes no cinema só pra firmar se era bom mesmo!
Acho que o mais bacana foi o fato do Tarantino ter conciliado de forma ímpar a violência e o "humor" do filme (algo bem mais latente neste filme).
Gostei bastante!
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