O MESTRE (The Master, 2012, 144 min)
Produção: Estados Unidos
Direção: Paul Thomas
Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Joaquin Phoenix, Philip
Seymour Hoffman, Amy Adams, Amy Ferguson, Frank Bettag, Rami Malek, Laura Dern.
Esse texto foi
publicado originalmente na página O Espectador Voraz em 26 de janeiro de 2013.
Antes de ser um
filme sobre a criação de uma seita, como foi divulgado durante sua produção, “O Mestre” (2012), trabalho mais recente
do cineasta americano Paul Thomas
Anderson, é uma obra sobre ser humano, com erros, acertos, voltas por
cima, resignações e busca por um caminho próprio. Para divagar sobre essas
temáticas, o diretor contextualiza sua história no começo dos anos 50, logo
após o final da segunda guerra. Boa parte da população norte-americana (e
mundial também) encontrava-se em um estado de profunda melancolia, quando na
verdade deveria ser uma época de felicidade. No entanto, essa alegria era pouco
palpável, muito pelas milhares de vidas perdidas em campos de batalha. O país
vivia uma letargia, com seus veteranos de guerra voltando para casa
traumatizados pelo conflito, desconectados do fator “sociedade” e simplesmente
ausentes de perspectivas.
Para simbolizar
esse delicado momento, visto como de transição também, a trama de O Mestre nos
traz o beberrão e problemático Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um ex-marinheiro, fanfarrão, embora sensível,
fiel ao trabalho durante seu tempo de serviço, mas um dos inúmeros alienados
dentro de seu tempo. Depois de uma temporada no hospital dos veteranos para
tratar o estresse pós-guerra, regressa à sociedade, mas tem dificuldades para
se integrar, vagando de emprego em emprego e envolvido sempre em problemas,
muito por conta de suas trapalhadas. Em um desses casos, quando trabalhava em
uma plantação, é acusado pelos lavradores de envenenar um deles com a singular
bebida que prepara usando até redutor de tinta entre alguns dos peculiares
ingredientes. Durante a fuga, bêbado, Freddie refugia-se em um iate atracado no
balneário da cidade. Nesse imponente iate, no dia seguinte e ainda de ressaca,
conhece Lancaster Dodd (Philip Seymour
Hoffman) ou simplesmente o Mestre, como prefere ser chamado.
Médico, físico,
filósofo, escritor, Dodd é um líder nato, melhor, Mestre inquestionável de um
tipo de seita chamada A Causa, que tem como fundamento a viagem no tempo para
estudar os antepassados e assim curar doenças psicológicas e físicas. Aqui, é
quando a trama de O Mestre se aproxima da tal premissa que o coloca como a origem
do sistema de crenças conhecido por Cientologia, criado em 1952 pelo autor de
ficção cientifica L. Ron Hubbard.
O personagem de Philip Seymour Hoffman,
revestido de nuances semelhantes, parece dialogar diretamente com o verídico
precursor da já citada Cientologia. Contudo, ainda que seja um mote trabalhado
com esmero e eficiência, creio ser apenas um pano de fundo consistente para Paul Thomas Anderson fazer sua
digressão sobre o poder da vida em sociedade, a força que a integração pela fé
pode ter sobre um ser solitário e sem horizonte e logo as invariáveis
concessões a serem feitas para se “usufruir” de tais benefícios. O que também
não deixa de ser preceitos canalizadores de adeptos em muita das religiões
conhecidas.
Não obstante a
ser um mero e simplório retrato de doutrina, apesar de ser, mesmo que
involuntariamente, O Mestre foca com rigor nos contornos da relação conflituosa,
mas de admiração mútua, entre Freddie e Dodd. O primeiro, de espírito selvagem,
inconseqüente, “um animal”, como o próprio Mestre chama, tenta se enquadrar nos
ensinamentos do segundo. Enquanto Dodd, com sua retórica afiada e precisão
clinica nas colocações, vê em Freddie um desafio, tipo de adepto perfeito para
propagar suas idéias. Embora exista o fator catequizador na trama, onde Dodd
usa de artifícios pré-definidos para mudar os conceitos que Freddie tem da
vida, acredito que em certo ponto da jornada, a relação Mestre/Aprendiz
transcende os ensinamentos e se torna uma amizade pungente. Nesse momento é
quando o filme torna-se maior que as problemáticas discutidas, ganhando
pertinentes nuances reflexivas sobre a conduta do ser humano em relação à
vontade própria, livre arbítrio. Afinal, é possível mudar alguém contra sua
própria vontade? Uma pessoa deve aceitar condições que reprova apenas por admirar
seu precursor? O quanto é necessário que alguém lhe diga o caminho a seguir?
Para tal embate
ter aspectos críveis e viscerais, trazendo o espectador para dentro da trama, é
importante ressaltar com ênfase o trabalho de Joaquin Phoenix e Philip
Seymour Hoffman. A dupla de talentosos atores enche a tela de
complexidade, reflexão. Com a câmera de Paul
Thomas Anderson muitas vezes próximo dos rostos, acompanhamos in loco cada movimento de expressão
colocada com precisão dentro do sentido dos diálogos afiados. Não bastasse Joaquin Phoenix imerso no caráter de
Freddie, o ator ainda transforma-se fisicamente, trazendo um dos personagens
mais bem lapidados do recente cinema norte-americano. À medida que Philip Seymour Hoffman, não menos
genial, constrói seu Mestre com gentileza, imposição, carisma, mas também
pronto para explodir ao menor sinal de ser contrariado. Nessa perspectiva
peculiar da personalidade de Dodd é que surge uma das cenas mais intempestivas
de O Mestre,
quando um ouvinte de uma sessão de regressão interpela o homem sobre as
conseqüências da divulgação de um trabalho de fundamentos tão questionáveis.
Existe uma
tensão crescente, sempre pairando no ar em O Mestre, muito por conta do já citado
relacionamento conflituoso entre os protagonistas. Embora as interpretações
sejam a força motriz do filme nesse aspecto de gerar ansiedade e impaciência,
vale apontar uma consideração técnica que faz suporte primordial para tais
características surgirem com eficiência redobrada. Falamos aqui da imponente
trilha sonora a cargo de Jonny
Greenwood, guitarrista da banda britânica Radiohead. Inúmeras vezes as composições soam desafiadoras,
principalmente Aplicattion 45 Version 1
(que vem a ser um dos métodos de trabalho da A Causa), que entoa sugerindo
batidas de martelos continuas, incessantes, transmitindo assim uma sensação
incômoda, faz-se fundamental para tirar o espectador da zona de conforto.
Contando ainda
com um elenco coadjuvante talentoso, com destaque para as atrizes Amy Adams e Laura Dern, que mesmo eclipsadas em boa parte da projeção pelas
atuações categóricas dos protagonistas, ainda assim conseguem ter seus momentos
de destaque na trama. Uma particular cena de Laura Dern funciona como fator decisivo e revelador sobre o
caráter misterioso de Dodd, ao passo que uma outra seqüência já perto do
desfecho, envolvendo Amy Adams,
é definitiva para o exame sobre a consciência peculiar de Freddie. Ao contrário
de Sangue Negro (2007), sua
contundente obra anterior, onde o diretor reserva o epílogo para um momento de
explosão seguindo o ritmo tenso de boa parte da narrativa, os momentos
derradeiros de O Mestre contêm
uma poesia inocente e singela, além de certo teor cômico, ausente de boa parte
do filme. Não restam dúvidas que com O
Mestre, o cineasta Paul Thomas
Anderson brinda o público com mais um trabalho maduro, relevante e de
valor humano inquestionável. Consolidando assim cada vez mais seu nome no
panteão do cinema contemporâneo, quiçá de todos os tempos.
INDICAÇÕES:
1. Melhor Ator:
Joaquin Phoenix
2. Melhor Ator
Coadjuvante: Philip Seymour Hoffman
3. Melhor Atriz
Coadjuvante: Amy Adams
por Celo Silva
2 comentários:
Gostei da forma como "O Mestre" falava sobre a ligação e a relação do homem com a religião. Gostei também do fato de PT Anderson ter fugido de qualquer polêmica relacionada à possível inspiração na Cientologia. Acho que a força de seu filme vem da atuação do elenco, especialmente Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman, que deveria ter sido o vencedor na categoria de Melhor Ator Coadjuvante.
É O grande destaque são as interpretações de Hoffman e Phoenix.
O acerto do roteiro de P. T. Anderson é fugir do lugar comum que seria um filme sobre um guru picareta. A trama é muito mais profunda do que isso.
Abraço
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