segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Melhor Atriz: Década 2000 - Opinião (Parte 1)



A interiorização como elemento catártico

Analisar toda uma década de uma categoria (nesse casso, Melhor Atriz) requer a compreensão de inúmeros fatores que levaram as atrizes a sagrarem-se vencedoras. Precisamos compreender o que sucedeu em cada ano no qual cada atriz foi vencedora e, ainda, precisamos compreender diacronicamente todo o histórico da década. Quanto à diacronia, precisa-se estudar uma recorrência naquela década: 2000 se caracterizou pelos votantes mais tendenciosos às interpretações de personagens verídicas – não é à toa que das 10 vencedoras 7 conquistaram seus prêmios interpretando pessoas reais. Se compararmos essa década com as décadas anteriores, veremos que o foco das vitórias é outro: na categoria feminina principal de atuação, a década de 70 ficou marcada pela quantidade de personagens fictícias advindas de romances literários; já a década de 80, se dividiu entre as personagens fictícias da literatura e das peças de teatro; a década de 90, por sua vez, ficou dividida entre as personagens fictícias advindas da literatura e as fictícias criadas diretamente para os filmes. A década de 2000, porém, é, sobretudo, lembrada pelos registros de pessoas verídicas em eventos intercambiáveis entre realidade e ficção (como é o caso, por exemplo, de Nicole Kidman vivendo Virginia Woolf em “As Horas”, de 2002).


Sintetizo as vitórias dividindo as atrizes em grupos de modo a expressar melhor meu entendimento acerca dos prêmios que lhes foram concedidos. Acredito que o agrupamento mais cabível seja a separação em três grandes grupos, havendo algumas atrizes que podem estar em mais de um. São eles: 1) atrizes que venceram não apenas pelas suas interpretações pelos filmes nos quais foram indicadas: Roberts, Kidman e Bullock; 2) atrizes cujas atuações representam aquilo que houve de melhor em suas carreiras e também entre as indicadas: Berry, Theron, Swank; 3) atrizes favorecidas pelo fato de interpretarem personagens verídicas de grande importância política (Mirren) ou cultural (Witherspoon). Julia Roberts e Nicole Kidman, a meu ver, também podem ser incluídas no segundo item, porque suas interpretações como Erin Brockovich e Virginia Woolf respectivamente representam também as melhores interpretações de suas carreiras, ainda que suas vitórias estejam mais associadas à importância dessas atrizes no circuito crítico e comercial do começo da década – Roberts era a atriz mais bem paga, denominada a “Queridinha da América”, e Kidman vinha já emplacando vários filmes de sucesso desde o início da década. Já Hilary Swank, apesar de eu a ter colocado no item segundo, não penso que “Menina de Ouro” (2004) seja seu melhor momento, justamente porque a atriz concebeu outra magnífica performance cinco anos antes, quando viveu Brandon Teena em “Meninos Não Choram” (1999); na ausência de outro grupo e a fim de enxugar melhor, coube a ela lugar naquele item.

Faltam duas atrizes na contabilização acima: a francesa Marion Cotillard e a inglesa Kate Winslet. A vitória da primeira se deu com alguma surpresa, sobretudo porque os prêmios vinham sendo divididos entre ela e Julia Christie, atriz inglesa que concorria por “Longe Dela” (2007). Assim, mesmo que fosse aquele o melhor momento da atriz no cinema até então, não parecia seguro o seu prêmio, como ainda hoje não são claras as razões pelas quais ela venceu e não Christie, apesar de inegavelmente Cotillard estar muito sólida em “Piaf – Um Hino ao Amor” (2007), de Oliver Dahan. Agora, quanto a Winslet, sua vitória pode ser colocada também no item primeiro, afinal, naquele mesmo ano, ela havia coestrelado “Foi Apenas um Sonho” (2008) ao lado de Leonardo DiCaprio, sendo, nesse filme, verdadeiramente atriz principal, já que em “O Leitor” (2008) sua função é de coadjuvante. Sua vitória em 2009, porém, requer uma análise mais extensa e minuciosa, pra isso precisamos retornar às cinco indicações anteriores da atriz, que perdeu suas duas primeiras indicações injustamente e esteve maravilhosa em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004) e “Pecados Íntimos” (2006) – assim, a vitória em 2009 me soa mais como recompensa do que realmente mérito, ainda que sua interpretação como Hannah Schmidt seja mesmo muito bem trabalhada.

Se a década de 2000 foi bastante sensata com alguma de suas escolhas – Nicole Kidman e Charlize Theron, por exemplo –, ela conseguiu nos surpreender com verdadeiros exemplos de mau gosto, como é caso da vitória de Reese Witherspoon e Helen Mirren, que conseguiram apresentar interpretações apenas satisfatórias. No caso de Witherspoon, aliás, me surpreende a sua vitória, não apenas porque ela nem sequer é protagonista da obra pela qual concorreu, mas também concorria com Felicity Huffman, que detinha uma das melhores interpretações da década, aliás, de toda a história das indicações do Oscar! Quanto a Mirren, não acho sua interpretação nem válida de indicação, mas, já que foi indicada, houvessem pelo menos premiado uma atriz numa interpretação mais pungente e mais intensa, como Judi Dench, Kate Winslet (ótima oportunidade, aliás, para premiá-la) ou mesmo Meryl Steep, que nem sequer era lead, embora tivesse sido nominada como tal.

E fico feliz que as minhas considerações como um todo tenham sido apontadas no ranking realizado. As minhas favoritas ocuparam no ranking final justamente a posição em que as coloquei no meu ranking pessoal e as minhas menos favoritas – Witherspoon, Mirren e Bullock – também ocuparam o fim da lista no resultado final do nosso ranking. Alteraria, porém, a ordem de Berry e de Bullock, substituindo a primeira com Helen Mirren e colocando Sandra à frente da “Rainha”, justamente porque acho que ela tem mais méritos na relação que se estabelece entre seu desempenho, suas concorrentes e sua vitória. Quanto a essa década, aliás, penso que Witherspoon e Mirren sejam os meus únicos verdadeiros desafetos – gosto, pois, de todas as interpretações das outras atrizes nos filmes pelos quais venceram.

Acho que há algo de notável nessa década e isso também aparece no nosso ranking final. Penso que a década se marcou pelo registro ontológico de personagens muito pungentes, independentemente do seu grau de abertura para o mundo exterior – não é à toa que o TOP 3 tenha sido ocupado por Aileen Wuornos (Theron), Virginia Woolf (Kidman) e Schmidt (Winslet), justamente as personagens cujas histórias mais apresentam um discurso sobre a natureza do ser humano. Se Wuornos é mais extrovertida (no sentido de expansiva, reativa) e Woolf e Schmidt mais voltadas para si mesmas, isto é, mais interiorizadas, isso apenas mostra o quanto se pode discutir sobre a natureza humana nas diversas personalidades existentes – as três trazem consigo todos os sentimentos passíveis numa pessoa: angústia, medo, orgulho, alegria, desejo. Charlize entregou-se de tal modo à sua personagem que cada momento seu em cena é também um momento em que o espectador se sente inebriado pelas emoções da personagens – gosto particularmente de uma cena, quando Aileen ajeita os cabelos, infla o corpo, muda sutilmente a expressão, tudo isso a fim de causar em Selby a impressão de que ela está sendo protegida. Tudo isso está associado à psicologia da personagem, que é maravilhosamente trabalhada.

A meu ver, nosso ranking registrou eficientemente as interpretações dessa década – aliás, gosto bastante das atrizes premiadas, até mesmo de Sandra Bullock, cuja credibilidade é sempre posta à prova, e de Helen Mirren e Reese Witherspoon, de cujas premiações discordo, mas de cujas carreiras gosto bastante. E pensar nessa década sempre faz com que eu seja remetido àquele maravilhoso desabafo de Virginia Woolf na estação de trem e àqueles momentos iniciais de Aileen tentando se embelezar a fim de conquistar Selby. Para mim, trata-se de uma década que registrou bons momentos – alguns esquecíveis, claro, mas outros irrepreensíveis!

por Luís Adriano de Lima

Nenhum comentário: