sexta-feira, 5 de abril de 2013

Os Miseráveis



OS MISERÁVEIS (Les Miserábles, 2012, 158 min)
Produção: Estados Unidos | Reino Unidos
Direção: Tom Hooper
Roteiro: Alain Boublil, Claudel-Michel Schönberg, Herbert Kretzmer e William Nicholson, baseado na peça musical homônima (1985) adaptada do romance homônimo (1862) de Victor Hugo.
Elenco: Hugh Jackman, Anne Hathway, Helena Bonham Carter, Russell Crowe, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Eddie Redmayne, Samantha Barks.

Quando começaram a ventilar as primeiras notícias de Os Miseráveis” (2012), dirigido pelo inglês Tom Hooper, pensei com meus botões: mesmo sendo antipático ao trabalho do diretor, acho difícil sair um filme ruim. Com o panorama da obra sendo delineado, invés de ser uma adaptação direta do texto clássico do francês Victor Hugo (1802-1885), o roteiro (escrito a oito mãos) seria adaptado da peça musical homônima concebida por Alain Boubil e Claude-Michel Schönberg. Novamente voltei a matutar e cheguei à conclusão de que algo poderia dar errado no processo. Entre dúvidas e certezas (como o elenco bem escolhido), “Os Miseráveis” não é mesmo um filme ruim, mas também não dá para dizer que é ótimo. Transita de um meio termo para bom, porque mesmo com todo o mise en scène chamativo e bem trabalhado, infelizmente, o excesso de cantoria torna a narrativa cansativa, por vezes desinteressante e consegue a proeza de até esvaziar momentos que deveriam ser da mais pura singeleza e emoção.

O texto de Victor Hugo é um desses clássicos unânimes da literatura e que com suas temáticas relevantes e universais foram incansavelmente adaptados, seja para o cinema, teatro ou televisão. Aqui, ainda que seja a adaptação de uma adaptação, a premissa inicial é a mesma, trazendo o ex-detento Jean Valjean (Hugh Jackman) como protagonista. Dividido na tradição da narrativa em três atos, Os Miseráveis abre com Valjean sendo posto em condicional pela justiça. Nessa primeira seqüência do filme sabemos que seu antagonista por toda a trama será o oficial Javert (Russell Crowe), um policial linha-dura que vê a justiça em tons pretos e brancos, para ele, meio termo não existe. Esse ato inicial concentra seu foco na problemática de Valjean se reintegrar a uma sociedade que não aceita ex-criminoso, levando assim o personagem ao fundo do poço, a miséria emocional e material. O panorama muda quando ele conhece um Bispo benevolente (Colm Wilkinson) que o abriga em sua casa.

Na manhã seguinte, Valjean furta objetos de valor da casa do religioso, mas não tarda a ser capturado pelas autoridades. Entretanto, para a surpresa dos policiais, o Bispo afirma ter doado os pertences ao ex-criminoso e como forma de retribuição pelo seu ato altruísta, exige de Valjean que aquela situação seja o ponto de partida para uma nova vida. Nesse primeiro terço, ainda que todos os diálogos sejam cantados, as canções são mais dinâmicas e comedidas. A narrativa então não demora há saltar alguns anos e vemos o mesmo Valjean, agora usando uma nova identidade, como um empresário bem sucedido e prefeito de uma pequena cidade. Uma de suas empregadas é Fantine (Anne Hathaway), que em um imbróglio mal resolvido no trabalho, acaba sendo demitida pelo encarregado. Mãe de uma pequena menina que vive em uma outra cidade, Fantine necessita do dinheiro para enviar para a filha sobreviver. A falta de emprego coloca a moça em um declínio vertiginoso, onde vende cabelos e dentes em troca de alguns trocados e passa a habitar o meretrício local.

Nessa segunda etapa, Javert mantém sua perseguição a Jean Valjean, sendo até enviado para ser o representante da lei na cidade onde o mesmo é prefeito. No entanto, com o passar dos anos, Valjean assumiu uma fisionomia aristocrata e demora a levantar suspeita por parte do oficial. Em paralelo, a jornada degradante de Fantine culmina no melhor momento de “Os Miseráveis”, quando Anne Hathaway entoa com talento e emoção a canção Dreamed a Dream. A seqüência comove naturalmente e talvez por isso, mesmo Fantine não tendo muito tempo no filme, não seja estranho à atriz ter sido indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Esse segundo ato foca no encontro de Jean Valjean com Fantine, onde o homem a retira da miséria onde estava e promete assumir a guarda de sua filha, a pequena Cosette. Um dos destaques aqui também é o alivio cômico da dupla que é guardiã de Cosette, interpretados por Sacha Baron Cohen e Helena Boham Carter, protagonizando um divertido número musical.

Até o final do segundo ato de “Os Miseráveis”, a narrativa transcorre de forma agradável e dinâmica. Notando-se que os dois terços iniciais ocupam menos de uma hora das duas horas e vinte sete minutos do longa-metragem, a sensação de estranhamento se faz presente. Afinal, por que correr com situações interessantes do inicio da história? Com o inicio do pretensioso terceiro ato, logo se encontra a resposta. Aqui, Hooper procura retratar o romance da agora jovem Cosette (Amanda Seyfried) e Marius (Eddie Redmayne), um jovem idealista, e ao mesmo tempo também discorrer sobre o prólogo da Revolução Republicana de um ponto de vista poético. Lógico que a trama degringola. Acreditando na capacidade emblemática das canções, Tom Hooper guarda a terceira parte do filme para conjugar excessivas canções de teor dramático. Resultado: números musicais interessantes, como o passado nas barricadas criadas pela resistência francesa, tem sua condição tocante esvaziada pela seqüência maçante de cantoria, sempre esticadas ao máximo.

Se o figurino e a direção de arte de “Os Miseráveis” são competentes, não se pode dizer o mesmo da fotografia. Ordinária, pouco se preocupa em engrandecer o filme. A câmera de Tom Hooper sempre trabalhando bem próximo aos atores, ressalta até essa pegada teatral que o diretor procura trazer para o filme. Em contrapartida as considerações negativas, a obra traz algumas atuações inspiradas, destaque absoluto para Hugh Jackman. Bem à vontade no papel, até pela sua experiência em musicais na juventude, Jackman é a força motriz da obra e sem ele, era bem provável que o filme naufragasse totalmente. Infelizmente, Russell Crowe não tem atuação compatível ao seu adversário. Apesar de afinado, as suas interpretações são sempre entediantes.  A atriz Anne Hathaway tem o momento ápice do filme, enquanto Amanda Seyfried entrega uma atuação burocrática. Os atores Eddie Redmayne e Aaron Tveit são coadjuvantes com bons momentos, até mais pela condição revolucionária de seus personagens do que pela cantoria. Enfim, acredito que Os Miseráveis deve agradar na mesma medida que irá desagradar, contudo, chegar ao seu final sempre será uma extenuante maratona.

INDICAÇÕES (3 vitórias):
1. Melhor Filme: Cameron Makintosh, Debra Hayward, Eric Fellner e Tim Bevan
2. Melhor Ator: Hugh Jackman
3. Melhor Atriz Coadjuvante: Anne Hathaway – venceu
4. Melhor Direção de Arte: Anna Lynch-Robinson e Eve Stewart
5. Melhor Figurino: Paco Delgado
6. Melhor Maquiagem: Julie Dartnell e Lisa Westcott – venceu
7. Melhor Mixagem de Som: Andy Nelson, Mark Peterson e Simon Hayes – venceu
8. Melhor Canção Original: Suddenly, de Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg e Herbert Kretzmer.

por Celo Silva

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